Título: Em direção à meta
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

Em abril deste ano, na única entrevista coletiva que deu em seu mandato, o presidente Lula reconhecia que um dos grandes erros de seu governo havia sido deixar o Banco Central sozinho no combate à inflação. Hoje, teria de reconhecer erros substancialmente mais graves do que este, os mesmos que estão destroçando seu governo. Mas, quando a entrevista aconteceu, o Banco Central já tinha parado de comprar dólares. Assim, a política cambial largada ao sabor do mercado tornou-se importante instrumento de combate à inflação: quanto mais baixo o dólar em relação ao real, mais baratas as importações e, nessas condições, o produto importado aumenta sua capacidade de competir com o produto nacional.

Em parte graças a essa ajuda do câmbio, em junho, a inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que serve de referência para a política de metas de inflação, já havia ficado negativa, em 0,02%. Mas o câmbio continua atuando como fator de contenção dos preços internos. Ontem, o IBGE, a instituição encarregada dos levantamentos de preços, apurou em julho uma inflação baixa, de 0,25%, no piso das expectativas do mercado.

A leitura mais importante a partir da divulgação desse número é a de que a inflação segue a trajetória convergente para a meta deste ano, de 5,1%.

Na semana passada, a Pesquisa Focus elaborada pelo Banco Central, que aponta as projeções econômicas de 100 instituições, indicava que a expectativa é a de que a inflação deste ano ficará contida à altura dos 5,5%. Quando a aposta do mercado coincide com a do Banco Central, aumenta a probabilidade de sucesso da política. É a situação em que os remarcadores de preços deixam de acreditar na esticada da inflação e, para evitar encalhe de mercadoria, diminuem a velocidade com que aumentam seus preços.

Uma vez obtida essa confiança, o próximo passo é a queda dos juros. Os juros básicos reais (descontada a inflação de 6,6% em 12 meses) estão no exagero dos 13 a 14% ao ano, caso único no mundo. Mas, como opera de maneira conservadora, é pouco provável que o Banco Central derrube os juros já na próxima reunião do Copom, agendada para o dia 17.

Conquanto venha tendo pouca influência no mercado financeiro, a crise política pode concorrer para que o Banco Central mantenha puxado o breque de mão. Mas, se nada mudar, pode-se contar com o início da temporada da redução dos juros em setembro.

E o que pode mudar? Ontem, o Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) manteve o ritmo do ajuste no mercado americano. Aumentou os juros básicos em apenas 0,25%, para 3,5% ao ano e, além disso, deixou claro no comunicado oficial que esse ritmo deve continuar. Foi a senha para desentocar muito dinheiro covarde. Se houvesse qualquer indício de que o Fed pudesse aumentar a velocidade do ajuste, haveria uma corrida aos títulos do Tesouro americano que deixaria largados os títulos dos países emergentes. Se a toadinha atual dos juros americanos não vai mudar, a economia mundial tem tudo para seguir azeitada e isso aponta para a continuidade das condições externas favoráveis para a economia brasileira e para o combate à inflação.

Afora isso, poderiam mudar os fatores que estão ajudando a segurar a inflação no Brasil. O primeiro fator já foi mencionado. Podem, em princípio, voltar as compras mais intensas de dólares pelo Tesouro. Mas é improvável que consigam reverter a atual tendência. No máximo, impediriam novas baixas.

O segundo fator que poderia inverter a trajetória da inflação são reajustes nos preços internos dos combustíveis. Embora as cotações internacionais do petróleo continuem subindo, a Petrobrás tem segurado os reajustes da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha. Aí está outra grande ajuda que a política de metas tem recebido de outro setor comandado pelo governo.

Segunda-feira, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, admitiu que vai ficando difícil segurar. Ele afirmou que, se as cotações ficarem estabilizadas aos atuais níveis, haverá remarcação. Mas ontem adiantou que, se sair, esse reajuste não seria "a curto prazo". Como aconteceu das outras vezes, a ata da reunião do Copom que sair da próxima reunião deverá dizer que as projeções oficiais da inflação estão levando em conta que, para o resto do ano, não haverá reajuste dos preços da gasolina e do gás de cozinha. Se for isso, o segundo fator de realimentação da inflação também estará descartado e a inflação poderá seguir convergindo para a meta.