Título: A farra da LDO
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Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2005, Notas & Informações, p. A3

Fisiologismo e espírito de gastança dominaram a negociação do projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) aprovado na terça-feira à noite pela Comissão Mista de Orçamento. Será muito difícil controlar as despesas federais no próximo ano, se o governo seguir as orientações definidas nessa votação ¿ e 2006, ano de eleições, será marcado por pressões muito fortes para aumento de gastos. O Planalto fez concessões perigosas para desbloquear a tramitação do projeto, e o relator encontrou espaço, no texto final, para ampliar a gastança.

Algum remendo ainda será possível quando a votação final ocorrer no plenário. Mas o conjunto continuará provavelmente muito ruim, mesmo que algum excesso do relator seja corrigido por veto presidencial.

O projeto de Orçamento-Geral da União que será enviado ao Congresso até dia 31 será baseado nas orientações contidas na LDO. Se continuar politicamente enfraquecido, o governo dificilmente conseguirá resistir a novas pressões para que a União tenha em 2006 um orçamento ainda mais sujeito ao clientelismo e ao fisiologismo.

Para destravar os trabalhos na Comissão Mista de Orçamento, o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, aceitou prorrogar para março, abril e maio do próximo ano as parcelas do custeio agrícola da safra deste ano com vencimento em maio, junho e julho deste ano. Foi uma concessão indiscriminada e certamente mais ampla do que seria justificável.

Mas a bancada ruralista, especializada em arrancar favores do governo, obteve mais que esse compromisso. Conseguiu introduzir na LDO a exigência de inclusão, no próximo orçamento, de recursos para repactuação de dívidas.

É uma novidade escandalosa: a renegociação deixará, agora oficialmente, de ser uma solução de emergência. Será convertida em cláusula orçamentária. O próximo passo talvez seja a sua transformação em despesa anual obrigatória, com status semelhante ao dos gastos com educação e saúde. O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, disse que as mudanças foram além do acordado com a bancada e prometeu reagir.

Mas a farra na elaboração da LDO não parou nessas manobras. O texto determina que o reajuste salarial dos servidores civis federais, em 2006, seja pelo menos igual ao crescimento real do Produto Interno Bruto (PIB) per capita. Esse crescimento é estimado em 1,5%. A equipe econômica, segundo se informou em Brasília, pretendia conceder apenas 1%.

O relator do projeto, o petista mineiro Gilmar Machado, incluiu também no texto a proibição de corte, pelo Executivo, de gastos correspondentes a emendas de parlamentares. Essas emendas são estimadas em R$ 3,5 bilhões.

Essa manobra é uma forma de tornar impositivo, pelo menos em alguns itens, o orçamento brasileiro. Pelas normas em vigor, o governo pode retardar ou mesmo deixar de realizar certas despesas, para cumprir os objetivos fiscais, e isso inclui gastos correspondentes a emendas de congressistas.

Essa possibilidade facilita a gestão do orçamento, geralmente inflado no Congresso. Também permite selecionar melhor os projetos que serão realizados. Mas dá força ao governo para negociar com parlamentares a liberação de verbas e esta conseqüência é indesejável. Será imprudência, no entanto, adotar o orçamento impositivo enquanto faltarem garantias de tratamento mais sério da proposta orçamentária.

O governo conseguiu, porém, que o projeto se tornasse mais flexível num item de seu interesse. Na versão original, enviada pelo governo, a arrecadação da Receita Federal, em 2006, teria como teto 16% do PIB. Na versão final, receitas atípicas foram excluídas dessa conta. Isso pode representar R$ 1 bilhão a mais para os gastos do Tesouro. Estes continuam limitados a 17% do PIB, mas, pelo texto do relator, o aumento salarial ficará fora do cálculo.

É um afrouxamento preocupante. Mas pelo menos o governo conseguiu quase neutralizar a cláusula, adicionada pelo relator, que manda reduzir o superávit primário (4,25%) se o crescimento estimado para o PIB for inferior a 4,5%. O governo conseguiu condicionar esse corte à garantia de que a relação dívida/PIB continuará a cair no ritmo médio de 2004 e 2005.