Título: 'Eu assinava cheques em confiança'
Autor: Eugênia Lopes e Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/08/2005, Nacional, p. A9

Sócio do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza na agência de publicidade mineira SMPB, o publicitário Cristiano Paz disse ontem em sessão conjunta das CPIs do Mensalão e dos Correios que concordou com os empréstimos feitos por sua empresa ao PT e que recebia "uma pilha de cheques para assinar". Ele também revelou que os cheques do que chamou de 'conta PT' não traziam os nomes dos destinatários. "Chegava uma pilha de cheques para eu assinar - eu até me incomodava, não tinha tempo para conferir", contou Paz, explicando que todos os cheques da agência de publicidade deviam ser assinados por no mínimo dois sócios. "Os da 'conta PT' vinham separados e eu assinava na confiança. Mas não eram nominais a ninguém."

Paz detém 34% da SMPB, da qual é presidente. Segundo suas informações, neste ano quase não apareceram cheques da 'conta PT' para ele assinar.

Ele disse que concordou com o argumento de que seria bom para a empresa fazer um favor ao PT e confiou no relacionamento de Valério com o então tesoureiro do partido, Delúbio Soares, como garantia de que o dinheiro seria devolvido. O publicitário negou conhecer o esquema de caixa 2 montado por Marcos Valério e Delúbio.

DÚVIDAS

Paz não convenceu os parlamentares das CPIs, que, um após o outro, apresentaram dúvidas sobre os motivos que teriam levado a empresa assumir um risco tão grande, emprestando dinheiro a um partido. "Eu senti um desconforto por causa da dívida", admitiu o publicitário. "Mas o Marcos Valério dizia: 'Não se preocupe, o partido vai pagar. Você acha que vou ser irresponsável, acha que eu seria louco?' O que me foi passado é que os empréstimos eram lastreados em compromissos assumidos junto ao PT."

O sócio de Valério contou que esteve duas vezes com o deputado José Dirceu, quando era ministro, em reuniões na Casa Civil. Primeiro com representantes do BMG e, depois, com os do Banco Rural. Negou que tenha tratado de assuntos de campanha. "O ministro José Dirceu nem me olhou", disse.

Apesar dos contatos políticos de Marcos Valério, o publicitário disse que pediu a ele para não levar deputados à sede da SMPB. "Ele foi à empresa com deputados, não sei os nomes e eu pedi para evitar aquilo, porque nossos clientes privados estranham, acham que damos mais valor aos governos."

CONTRATOS

Sobre o aumento do faturamento da SMPB, de R$ 55,8 milhões em 2002 para R$ 73,1 milhões em 2003, primeiro ano do governo Lula, e para R$ 130,7 milhões no ano passado, Paz negou que fosse motivado pelos contratos com o governo federal e estatais. Ele atribuiu o aumento a contratos de publicidade públicos, com os governos de Goiás e de Minas Gerais, e "com três grandes empresas privadas".

O publicitário confirmou que a Usiminas foi intermediária da aproximação da SMPB com o deputado Roberto Brant (PFL-MG), que recebeu R$ 102 mil de Marcos Valério. "Tudo que chega à Usiminas vem para a minha mesa. Tenho uma história antiga, uma relação profunda com a usina (...) Esse pedido do Brant foi passado para a gente." Ele se contradisse em outro momento, quando afirmou que houve uma "doação" exclusiva da agência, em dinheiro e material de campanha.

Paz garantiu que não conhece Duda Mendonça, marqueteiro da campanha do presidente Lula, nem sua sócia, Zilmar Silveira. Duda recebeu R$ 20 milhões de Marcos Valério, segundo informou o empresário à CPI do Mensalão anteontem.

R$ 4,5 milhões foram pagos em 1998, pelo trabalho na campanha do ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, hoje senador e presidente do PSDB. A maior parte foi de repasses realizados em 2003 e 2004, por determinação de Delúbio Soares.