Título: Conselho determina quebra de patente de anti-retrovirais
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2005, Vida&, p. A21

BRASÍLIA - O Conselho Nacional de Saúde (CNS) aprovou ontem por unanimidade uma resolução determinando que o governo quebre imediatamente as patentes dos três mais caros medicamentos antiaids usados no País: o Kaletra (produzido pelo laboratório Abbott), o Nelfinavir (do Merck Sharp) e o Tenofovir (do Gilead). O ministro da Saúde, Saraiva Felipe, disse que vai levar em consideração a resolução. Mas avisou que a palavra final será sua. "Uma decisão política dessa magnitude é uma atribuição indelegável do ministro", afirmou Saraiva Felipe ao Estado. O CNS é integrado por representantes da sociedade civil, profissionais e gestores de saúde. Suas decisões têm de ser acatadas pelos administradores, pois têm caráter deliberativo. O ministro da Saúde é o presidente do conselho.

Pelo regimento, o ministro tem um mês para apreciar a decisão. Na próxima reunião do conselho, ele pode endossar a resolução ou apresentar modificações. Se houver divergências, o assunto vai novamente para votação. Se o ministro for voto vencido, ele tem de seguir a determinação do conselho. Segundo o CNS, se isso não ocorrer, o assunto pode ser levado ao Ministério Público.

Saraiva Felipe argumenta que um assunto como esse, que envolve questões técnicas, não deve ser acertado unilateralmente pelo conselho. "Não posso fazer bravatas", argumentou ele.

O representante da sociedade civil no CNS, Carlos Duarte, não quis comentar as declarações de Saraiva Felipe. "Temos de aguardar o desenrolar das negociações", afirmou. "Mas certamente vamos atingir um resultado comum."

NOVELA

A resolução do conselho tenta pôr fim a uma novela que começou em março. Na época, o então ministro, Humberto Costa, deu um prazo de 20 dias para que as três empresas se posicionassem sobre o interesse em negociar a patente de seus medicamentos. Merck e Gilead responderam estar dispostas. Abbott recusou o convite.

Desde então, houve uma série de idas e vindas, incluindo um quase-anúncio de quebra de patente, feito com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seguido dias depois de um atrapalhado comunicado de acordo. Que nunca de fato foi formalizado e cujos termos foram duramente criticados tanto por especialistas quanto por integrantes de organizações não-governamentais.

Logo depois de assumir o cargo, Saraiva Felipe retomou as negociações com o laboratório Abbott. Nesta semana, afirmou, uma reunião foi realizada com representantes da indústria. Agora, novos termos estão sendo discutidos. O ministro diz que não aceita a condição de confidencialidade, imposto pelo laboratório. "Sabemos que tal medida visa apenas evitar pressão de outros países. Mas não podemos tratar de um acordo com recursos públicos de forma confidencial."

Além de recusar a confidencialidade, o governo mudou outras propostas. Como o preço mínimo exigido por unidade do Kaletra. Em vez de US$ 0,68 por unidade, o governo quer que o laboratório cobre, no máximo, US$ 0,45. Esse seria o preço com o qual laboratórios oficiais conseguiriam produzir o medicamento.

Saraiva Felipe criticou novamente os termos do acordo que havia sido anunciado pela gestão anterior. "Queremos que haja a transferência de tecnologia, mas não em 2010, às vésperas do fim da patente. Aí não interessa mais", completou. O ministro não deu detalhes sobre as negociações com os demais laboratórios.

"Esse assunto não pode ficar assim, parado", afirmou Carlos Duarte. Ele observa que, apesar de o governo afirmar que a cláusula de confidencialidade acabou, o andamento das discussões ainda não foi divulgado. "Ainda são acompanhadas de uma cortina de fumaça. Sem transparência, toda a sociedade fica apreensiva", disse.