Título: 'Resgatar a dignidade da política'
Autor: José Maria Mayrink
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2005, Nacional, p. A16

1) Os Bispos Católicos do Brasil, reunidos na 43.ª Assembléia Geral da CNBB, de 9 a 17 de agosto de 2005, em Itaici, Indaiatuba, SP, diante das reiteradas denúncias de corrupção em altas instâncias do poder Executivo e Legislativo, face à indignação popular que elas levantam, conclamamos o povo brasileiro a recuperar a esperança. 2) Esta crise está levando o povo ao desânimo e ao descrédito da ação política. É indispensável, por isto, renovar a convicção já expressa por Paulo VI, ao afirmar que a política é a forma mais sublime de praticar a caridade, quando colocada ao serviço do bem comum.

3) O uso de fontes escusas para o financiamento de campanhas eleitorais, o desvio de recursos públicos, a manipulação de empresas estatais em benefício de partidos, e tantas outras denúncias, provocam, em todos nós, a indignação ética.

4) Mas a indignação ética é estéril, se não se torna motivo de maior comprometimento pessoal com ações concretas, em favor do aprimoramento da ordem política. Ao contrário de omitir-nos, ou de desistir, é indispensável aumentar a participação popular nas decisões sobre os rumos do nosso País, fortalecendo a prática da democracia.

5) Para que esse compromisso ético com o Brasil seja efetivo, é preciso ter presente as duas faces da corrupção.

6) Existe a corrupção pessoal, que deve ser não só investigada e punida, mas também prevenida por meio de maior transparência na administração dos bens públicos.

7) Existe a corrupção estrutural, embutida no próprio sistema político-eleitoral brasileiro, que precisa de urgente reforma.

8) Este é o clamor mais evidente que emerge em meio a esta crise. Não se pode desperdiçar a oportunidade de aproveitar este momento para realizar uma profunda reforma política, que entre outras providências considere os seguintes pontos:

9) Assegure a fidelidade partidária;

10) Promova a participação direta do eleitorado em decisões-chave para o País (como prevê o art. 14 da Constituição);

11) Garanta a lisura nas campanhas eleitorais (pelo financiamento público, controle da ingerência do poder econômico e aplicação mais rápida e severa da Lei 9840 contra a corrupção eleitoral);

12) Limite cargos de confiança;

13) Coloque as relações entre o Legislativo e o Executivo em outro nível (fechando as brechas ao clientelismo);

4) Aprimore os institutos da democracia representativa e se favoreça os institutos da democracia direta, participativa e deliberativa, através de referendos, plebiscitos e

15) Reveja o estatuto da reeleição.

16) Queremos apoiar e incentivar todo o trabalho de averiguação dos fatos, levando adiante pela Polícia Federal, pelo Ministério Público, pela Controladoria-Geral da União, e pelas diversas Comissões Parlamentares de Inquérito.

17) Reconhecemos a importância da imprensa para divulgar os fatos, e colocá-los à disposição da cidadania, não como espetáculo a ser acompanhado para divertimento e alienação, mas para aprimoramento da consciência política dos cidadãos.

18) É importante manter o discernimento, a busca incansável da verdade, sem hipocrisia e sem prejulgamentos, para formarmos uma opinião pública esclarecida e operante.

19) Em sintonia com o nosso povo pobre e sofrido, excluído do mercado, do saber e do poder, devemos ter a lucidez e o senso crítico de não somente enxergar a corrupção na administração dos recursos públicos, mas perceber igualmente o grande mal do nosso país, que é sua enorme desigualdade social. Esta desigualdade é mantida e acentuada por uma política econômica que aumenta a concentração de renda e da riqueza, através de mecanismos que privilegiam o capital financeiro e frustram políticas públicas mais eficazes e abrangentes.

20) Conclamamos, portanto, os governantes e o povo brasileiro para fazer desta crise um momento de purificação política e de maior comprometimento na ação concreta pela construção de um Brasil justo, solidário, democrático e respeitoso da vida e da ecologia.

21) Os pobres são as maiores vítimas da crise. Não podemos roubar-lhe a esperança de justiça e de condições dignas de vida.

2) A experiência de participação popular na política - por meio de movimentos sociais, sindicatos, pastorais sociais, comunidades de base e em partidos políticos - é um patrimônio histórico do povo brasileiro, que não pode ser perdido pela ação nefasta de alguns políticos que buscam o poder a qualquer custo.

23) Qual viajante assaltado por ladrões, caído à beira da estrada, o povo espera o bom samaritano que lhe dê a mão, restaure suas forças e o ajude a prosseguir em seu caminho, como sujeito de sua história.

4) Reafirmamos nossa confiança no povo brasileiro, cuja cultura guarda valores de grande significação ética, como a solidariedade, a cordialidade e o senso de justiça. Ele já deu, ao longo da história, muitas provas de energia e capacidade de superar outras crises. Em sintonia com ele, proclamamos com todo vigor: não vamos desistir do projeto de construir uma Nação justa, pacífica e democrática.

25) Nos momentos mais difíceis a graça de Deus mais se manifesta. Podemos contar com sua ajuda. Apostamos nas convicções cristãs do povo brasileiro, capazes de reanimar a todos, na sua superação dos impasses que a crise atual nos apresenta.

26) Reanimados mutuamente, vamos todos nos unir ao mutirão por um novo Brasil, conforme a convocação da Quarta Semana Social Brasileira, que neste momento queremos renovar e encorajar.

27) Que Deus nos ajude, e Nossa Senhora nos proteja.