Título: Dinheiro de Valério no exterior pode superar R$ 20 milhões
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2005, Nacional, p. A5

Não há registros nos relatórios do Coaf nem nos dados levantados pela CPI de grande parte dos repasses declarados pelo publicitário

BRASÍLIA - As operações de remessa ao exterior montadas pelo empresário Marcos Valério para pagar o publicitário Duda Mendonça foram feitas com tal sofisticação que exigirão trabalho e tempo para a CPI e a Polícia Federal desvendarem um mistério: de onde efetivamente partiu o dinheiro que cobriu as despesas de campanha dos candidatos do PT em 2002, inclusive o presidente da República. Os recibos de depósito apresentados ontem pelo marqueteiro de Lula somam US$ 1,625 milhão de um total de US$ 3,3 milhões - equivalente a R$ 10,5 milhões pelo câmbio da época - que teriam sido transferidos por Marcos Valério para a offshore aberta por Duda nas Bahamas, a Dusseldorf Company Ltd. Mas não é possível saber se o dinheiro foi remetido do Brasil ou se já estava no exterior e a quem pertencia.

De acordo com a versão convencional, os R$ 10,5 milhões provenientes de empréstimos obtidos em fevereiro de 2003 teriam sido sacados no Banco Rural de Belo Horizonte ao longo dos meses seguintes e, por intermédio do doleiro mineiro Jader Kalil Antônio, enviados ao exterior. Destino: a conta 001-001-2977 da Dusseldorf no BankBoston Internacional de Miami.

No total, Duda contabiliza 40 depósitos, de US$ 90 cada um, em média, entre março e agosto de 2003, mas só tem recibo detalhando a operação de 22 deles. Os recibos comprovando as operações mostram que, por fax, as informações de depósito foram informadas pela SMPB. Nas anotações, aparecem os nomes de Geiza, a gerente financeira da SMPB, e de Jader, provavelmente o doleiro de Minas Gerais.

Os documentos não permitem saber a origem primária dos recursos; só mostram que, no exterior, o dinheiro saiu de cinco instituições: Fleet National Bank, nos EUA (que pertence ao BankBoston), Kanton Business Corporation, Radial Enterprise, Banco Rural Europa, nas Ilhas Madeira, e Trade Link Bank, offshore na ilha Grand Cayman que foi criada pelos controladores do Banco Rural.

REMESSAS

Pelos recibos, a Trade Link destinou US$ 983.554,09 à offshore de Duda Mendonça entre março e agosto de 2003, mas esse valor pode ser maior, pois apenas metade das remessas está documenta. As operações de transferência do dinheiro de Cayman para Miami foram feitas por intermédio de um outro banco internacional, o Standard Chartered, que atua principalmente nos mercados emergentes da Ásia.

O Rural também usou sua subsidiária nas Ilhas Madeira para mandar US$ 25.371,28 para a conta de Duda em Miami.

Outro grande lote de repasses, num total de US$ 386.052,00, foi feito de um grupo variado de contas no Fleet National Bank. Nesse caso, o banco intermediário da transação foi o BAC Flórida Bank, e os ordenadores das transferências a Deal Financial Corporation, a SM Import e a SM Comex, sobre as quais não se tem informações.

Individualmente, o maior repasse para a Dusseldorf foi no valor de US$ 131.838. Essa operação foi realizada no dia 16 de junho de 2003. Foi uma transferência autorizada por uma empresa chamada Kanton Business Corporation, por intermédio do Israel Discount Bank (Banco Israelense de Desconto), de Nova York. De acordo com os técnicos da CPI, essa técnica de usar instituições pouco conhecidas e várias triangulações é prática comum de quem tenta lavar dinheiro. Tanto o BankBoston, que auxiliou Duda na montagem da offshore, quanto o Banco Rural já foram investigados pela CPI do Banestado por participarem do esquema de remessa ilegal de divisas durante a década de 90. Entre os técnicos, também há a suspeita de que o total movimentado por Marcos Valério no exterior pode superar os R$ 20 milhões. A desconfiança se origina no fato de que grande parte dos repasses declarados por Valério não aparece nos relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).