Título: Dirceu prevê convulsão social se houver processo contra Lula
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/08/2005, Nacional, p. A11

Em conversas reservadas, ele diz que, se for cassado e houver impeachment, País pode viver situação semelhante à da Venezuela

BRASÍLIA - O deputado José Dirceu (PT-SP), ex-ministro-chefe da Casa Civil, acha que o País corre o risco de enfrentar uma convulsão social se for aprovado um processo de impeachment contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em conversas reservadas com os amigos que o visitam, Dirceu tem manifestado preocupação com a possibilidade de o Brasil viver situação semelhante à da Venezuela, caso a oposição queira abreviar o mandato de Lula. "Vocês acham que não vai acontecer nada no País se fizerem isso?", pergunta o deputado ao seleto grupo com o qual se reúne diariamente, sempre que o tema impeachment presidencial vem à tona.

Vivendo num apartamento funcional da Asa Sul, Dirceu alterna momentos de confiança com desânimo total. Diz que lutará até o fim para não ser cassado e não se arrepende de não ter renunciado para evitar a degola. Prepara a sua defesa com a dedicação de um workaholic. Se for cassado, ficará inelegível até 2015, quando estará com quase 70 anos. Mas ele garante que, qualquer que seja o resultado, não abandonará a política.

"Eu não fiz lambança. A cassação, se vier, será política", insiste o ex-chefe da Casa Civil. "Já recomecei minha vida várias vezes e posso recomeçar de novo." Símbolo da esquerda, o homem que fez plástica em Cuba para mudar as feições e retornar clandestinamente ao Brasil, em 1975, na pele do comerciante Carlos Henrique Gouveia de Mello, disse ao Conselho de Ética e repetiu aos amigos, nesta semana, que está sendo acusado pelo que representa para a história do País, "e não por atos ilícitos".

Até aos petistas mais íntimos Dirceu jura que nunca chefiou o esquema do mensalão denunciado pelo deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) e atribui o escândalo do caixa 2, confirmado ontem pelo publicitário Duda Mendonça, ao ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares. Mesmo assim, continua dizendo, a portas fechadas, que Delúbio tem direito à defesa. Seu argumento: "Nem a Cruz Vermelha nega socorro ao inimigo."

Quando pergunta se os interlocutores acham que não acontecerá turbulência no País caso o processo de impeachment seja instalado, Dirceu também menciona a sua própria situação. Pelo visto, tem se informado com os movimentos sociais, que promoverão um ato em defesa da ética na política terça-feira, em Brasília.

SÍMBOLOS NÃO SE ENTERRAM

"Se as elites tentarem radicalizar, é bem provável que o povo não aceite e vá para as ruas defender Lula e os dirigentes da esquerda", diz João Paulo Rodrigues, um dos coordenadores do Movimento dos Sem-Terra (MST). "José Dirceu, por exemplo, é um símbolo da resistência à política neoliberal e lutou até mesmo dentro do governo. Não vamos aceitar que a direita queira incriminar os dirigentes da esquerda sem provas."

O presidente da CUT, João Antônio Felício, lembra que parte expressiva dos líderes de movimentos sociais é filiada ao PT, partido fundado por Lula e comandado com mão-de-ferro por Dirceu de 1995 a 2002. "Lula e Dirceu sempre foram símbolos para nós e símbolos não se enterram. Não vamos dormir com o demônio nem entrar no jogo dos vestais do neoliberalismo que se apresentam para moralizar a vida pública", provoca Felício, que também integra a direção nacional do PT.

É por manifestações assim que Dirceu diz não se sentir abandonado. Seus amigos mostram-se impressionados com sua "determinação" de guerrilheiro quando o mundo parece cair. Hoje, seu livro de cabeceira é As Noites das Grandes Fogueiras, do jornalista Domingos Meirelles, que narra a incrível epopéia da Coluna Prestes.