Título: Esperteza perigosa
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2005, Notas e Informações, p. A3

Mais uma pequena esperteza do governo acaba de ser denunciada pelo setor privado. Desta vez é um aumento da carga tributária sobre exportações da agropecuária e da agroindústria. Desde 1º de agosto, agroindústrias e produtores que exportem por meio de trading companies têm de pagar contribuição previdenciária de 2,1% a 2,5% sobre o valor exportado. A novidade foi embutida furtivamente numa instrução normativa da Secretaria da Receita Previdenciária publicada em 15 de julho. Com 761 artigos (!!!) e 36 anexos, o texto parecia mera consolidação de regras e por isso os empresários demoraram a reagir. Para se proteger de espertezas, não basta, portanto, o cidadão ler com muito cuidado as letras miúdas dos contratos privados. É preciso examinar com atenção e desconfiança os caudalosos documentos normativos do poder público.

Mas isso não basta. Como não se pode, contra o governo, recorrer ao Procon ou à Delegação de Proteção ao Consumidor, o melhor é começar o berreiro bem cedo e, se não der certo, recorrer à Justiça para apressar a solução do caso. Este recurso poderá ser o próximo passo de produtores e empresários lesados no episódio.

Empresas que apenas processam e exportam a matéria-prima produzida no campo continuam livres da contribuição sobre as vendas ao exterior, mesmo que recorram a trading companies. Ganham, assim, vantagem competitiva sobre as agroindústrias, que também produzem matéria-prima. Mas esse não é o ponto mais importante.

Em termos de estratégia, a nova tributação de exportações da agroindústria e das fazendas é um retrocesso. A política certa seria reduzir, mesmo que de forma gradual, a cobrança de impostos e contribuições sobre as vendas ao exterior. Enquanto outros governos procuram reduzir os custos da exportação, para facilitar a conquista de mercados e favorecer a expansão dos negócios e do emprego, o poder público brasileiro alterna avanços e recuos no tratamento fiscal do comércio exterior.

A nova cobrança da contribuição previdenciária é um sintoma da bem conhecida esquizofrenia do governo. Enquanto parte da administração se esforça para ajudar a produção brasileira a ser mais competitiva, outra ala se preocupa, em tempo integral, com a descoberta de meios para aumentar a arrecadação, mesmo à custa da prosperidade nacional.

No caso da tributação das operações via trading companies, o governo comete um erro notável de estratégia comercial. Muitos produtores individuais e agroindústrias de pequeno porte dependem das companhias de comércio exterior para suas exportações. Essa é a condição de muitos produtores de café. É o caso, também, de boa parte dos produtores de açúcar e de álcool, de acordo com informação do jornal Valor. Segundo a União da Agroindústria Canavieira, metade das exportações do setor depende da agroindústria e 40% das vendas ao exterior se fazem via trading companies.

Quando age dessa forma, o governo parece menosprezar a importância de informações que ele mesmo, noutras ocasiões, divulga com acompanhamento de fanfarras: que as exportações batem recordes sucessivos, que o superávit comercial tem reduzido a vulnerabilidade financeira do País e que as vendas externas, enfim, têm contribuído de forma decisiva para sustentar a atividade econômica.

Todas essas informações são verdadeiras e comprovam a correção de ações que estimulem, ou pelo menos não atrapalhem, a produção e a exportação. Um governo com estratégia clara e bem formulada aproveitaria os ensinamentos contidos nesses dados e buscaria formas de tornar mais livre o potencial já demonstrado pelo setor produtivo.

Mas falta essa clareza na definição de rumos do governo brasileiro. Fora do setor público, toda pessoa sensata já percebeu que a reforma da administração e a racionalização de gastos são os ingredientes para um ajuste fiscal de qualidade. A elevação da carga tributária, já excessiva, não é o caminho. Aumentar impostos e contribuições disfarça o problema fiscal, sem resolvê-lo, e mantém travado o setor produtivo.