Título: Um marca-passo para a obesidade
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2005, Vida&, p. A20

Pelo menos dois grandes centros médicos do País estão se preparando para adotar uma novidade na cirurgia de obesidade: o marca-passo gástrico. O Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, e o Instituto Garrido, centro paulistano especializado há 14 anos em técnicas bariátricas, abriram protocolo de pesquisa clínica para usá-lo. Trata-se do implante de um marca-passo na parede externa do estômago, na altura da cintura (ver quadro). O aparelho, que tem o tamanho de uma caixa de fósforos, manda choques ininterruptos por um ou dois eletrodos, que aumentam a sensação de saciedade do paciente. Essa sensação ocorre porque os impulsos elétricos são capazes de alterar os movimentos do estômago, fazendo que o cérebro registre que ele não está vazio. O paciente, então, se sente satisfeito com menos comida.

A cirurgia é feita por meio de laparoscopia, dura cerca de uma hora e é reversível. "A indicação médica é para pacientes que estão com peso de 15% a 20% acima do normal e não têm resultados com tratamentos clínicos", explica Nilton Kawahara, coordenador do Centro Integrado de Prevenção e Tratamento de Obesidade do Sírio-Libanês. Ou melhor, com Índice de Massa Corpórea (IMC) de 30 a 35 - para chegar ao índice, deve-se dividir o peso, em quilos, pela altura, em metros, ao quadrado. O obeso mórbido é aquele com IMC acima de 40.

Com médicos treinados e o aval de comitês de ética internos, a espera agora é pela aprovação de segurança do Food and Drug Administration (FDA), órgão americano que regula medicamentos e alimentos. "A autorização virá no próximo mês", conta Scott Shikora, do Centro Médico Tufts de Boston, médico que introduziu o marca-passo gástrico nos Estados Unidos, em 2000. "Dos 700 pacientes que já receberam o implante gástrico no planeta, metade está nos Estados Unidos."

O marca-passo gástrico foi usado experimentalmente pela primeira vez pelo cirurgião italiano Valerio Cigaina, em 1995, em Veneza. A idéia, de acordo com Kawahara, é que até o fim do ano o aparelho já seja usado comercialmente no Brasil pelo Sírio. "Com a aprovação do FDA, precisamos apenas do aval do Ministério da Saúde para registrar o marca-passo. O protocolo de pesquisa serve como mais um fator de segurança."

CAUTELA

Luiz Vicente Berti, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e diretor do Instituto Garrido, afirma que, apesar do protocolo pronto, vai ter cautela para adotar a técnica. "Queremos esperar até que a cirurgia deixe de ser tão restrita por conta do preço", diz. Só o aparelho custa a partir de US$ 10 mil. "Mas é uma excelente opção terapêutica e apresenta os mesmos 15% de complicações das outras técnicas." Elas vão de deslocamento dos eletrodos até perfurações no sistema gástrico.

O cirurgião Ricardo Cohen, do Hospital São Camilo, em São Paulo, também pede precaução. "Os resultados são animadores, principalmente com o uso de dois eletrodos", conta. "Mas a perda de peso provocada pelo marca-passo é pequena. O paciente pode perder os quilos com remédios. Poucas pessoas não respondem ao tratamento com medicamentos."

Para o cirurgião Berti, a eficácia depende de um fator importante em cirurgia bariátrica. "O gerenciamento do paciente é fundamental", diz. "Não adianta ter um médico e uma técnica excelente sem o acompanhamento de uma equipe multidisciplinar do paciente no pós-operatório. Na verdade, a cirurgia é apenas uma ferramenta que vai ajudar o obeso a mudar a relação com o alimento."

O protocolo do Hospital Sírio-Libanês, que pretende ser o primeiro a trazer o marca-passo para o Brasil, será apresentado oficialmente durante o Bariatric Endoscopic Surgery Trends, evento internacional que vai discutir até amanhã, além do marca-passo, os mais variados temas sobre cirurgia bariátrica, no Centro de Convenções do Gran Meliá, em São Paulo.