Título: Jefferson denuncia caixinha de Valério para PT e PTB na Eletronorte
Autor: João Domingos e Ana Paula Scinocca
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/08/2005, Nacional, p. A4

O deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) revelou ontem, em depoimento à CPI do Mensalão, detalhes de uma operação montada pelo publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza para captar irregularmente, pela manipulação de estatais, de R$ 90 milhões a R$ 120 milhões. Ele afirmou que o dinheiro seria dividido entre o PT e o PTB. A operação envolveria duas empresas públicas sob comando do PTB: o Instituto de Resseguros do Brasil (IRB) e a Eletronorte. O primeiro passo da operação bolada por Valério seria a transferência de recursos internacionais do IRB, que mantém cerca de US$ 800 milhões aplicados em bancos ingleses e suíços. Desse valor, US$ 600 milhões iriam para o Banco Espírito Santo, de Portugal.

Num depoimento anterior, à CPI dos Correios, o deputado já tinha contado sobre a idéia de Valério de patrocinar a transferência do dinheiro do IRB para o Banco Espírito Santo. Desta vez, explicou como o empresário pretendia repassar dividendos para o PT e o PTB.

Para tanto, a Eletronorte teria de reestatizar suas linhas de transmissão de energia. Para executar o projeto, contaria com financiamento de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões do banco. Do total, uma comissão de 3% sobraria para o PT e o PTB. "Na época, o presidente da Eletronorte era Roberto Salmeron, do PTB", lembrou Jefferson.

É importante registrar que não foram concretizadas nem a transferência do dinheiro do IRB no exterior, nem a reestatização das linhas da Eletronorte. Ao tomar conhecimento das declarações do deputado, a diretoria da empresa de energia divulgou nota dizendo que nunca estudou a hipótese de reestatizar as linhas. Também negou ter qualquer relacionamento com o Banco Espírito Santo.

PORTUGAL

Diante dos integrantes da CPI Jefferson acusou ainda o deputado José Dirceu (PT-SP), ex-ministro da Casa Civil, de planejar outra operação internacional, pela qual a Portugal Telecom daria cerca de 8 milhões de euros (R$ 24 milhões) para serem divididos entre o PT e o PTB. Ele contou que foi procurado em janeiro por Dirceu, que se disse preocupado com as dívidas de campanha do PTB.

"Dirceu disse que era para eu indicar um emissário do partido, que iria junto com o do PT ver o pessoal da Portugal Telecom. Eu indiquei o tesoureiro Emerson Palmieri. A passagem está comigo. Palmieri viajou para Portugal no dia 24 de janeiro, juntamente com Marcos Valério, que representava o PT, e seu sócio Rogério Tolentino. Eles voltaram no dia 26."

A diretoria da multinacional teria oferecido o dinheiro numa reunião no Brasil, assegurou Jefferson. A doação, disse, representaria a antecipação do que viria para futuras campanhas eleitorais. "Os recursos serviriam para cobrirmos as dívidas da campanha de 2004, porque não tínhamos mais nenhum problema referente à de 2002."

Jefferson assegurou ainda que Tolentino, Valério e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares viajavam com regularidade para Portugal. "Numa semana eles iam, na outra não. Mas iam sempre. Eram viagens muito comuns, freqüentes", relatou. Na viagem de 24 de janeiro, apenas Valério reuniu-se com o então ministro de Obras, Transportes e Telecomunicações de Portugal, Antonio Mexia.

Irônico, Jefferson classificou Valério de "novo embaixador do Brasil em Portugal para assuntos de telecomunicações". O próprio Mexia esclareceu ontem ao governo brasileiro que a reunião com Valério durou 8 minutos e que, ao contrário do que foi divulgado, em nenhum momento recebeu o empresário na condição de consultor do presidente Lula.

A origem da crise que abalou o governo, afirmou o deputado, foi a dificuldade dos partidos para quitar suas dívidas. "Se as operações tivessem dado certo, as crises estariam sanadas. As tensões estariam superadas", afirmou, ao ser interrogado pelo deputado Devanir Ribeiro (PT-SP). "Em casa que não tem pão, todo mundo briga e ninguém tem razão." Ele admitiu que, ao fazer a denúncia do mensalão, não tinha a dimensão do escândalo. "Atirei no que vi e acertei no que não esperava."

Jefferson sugeriu ainda à CPI que investigue o Banco Santos, que está sob intervenção. Disse que muitos fundos de pensão aplicavam dinheiro lá, assim como Valério. Ao longo de todo o depoimento, Jefferson fustigou Dirceu e poupou Lula. "Dirceu é o chefe da quadrilha. O presidente Lula não sabia de nada. Ele foi traído pelo Dirceu", disse. "O útero, a matriz da corrupção não está aqui (no Congresso). Está do outro lado da rua (no Palácio do Planalto)."

Jefferson procurou desmoralizar também o ex-deputado Valdemar Costa Neto (PL-SP), que renunciou e pediu a cassação do petebista. "Bastou a dona Simone (Vasconcelos, diretora da SMPB) dizer que ele recebeu R$ 10 milhões, que ele botou R$ 10 num veado e correu. Ele é fraco, blefou no jogo e correu. É galo fujão, galo mutuca, como dizemos no Rio."