Título: Para muitos, melhor ficar com a dúvida
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Metrópole, p. C8

Apesar do avanço da tecnologia, muitos pais e filhos preferem a dúvida ao risco de descobrirem que não são biologicamente da mesma família. É o caso do motorista Carlos, de 48 anos, pai de Williams, de 26. "Nunca quis fazer DNA. Tem vez que tenho dúvida, mas não quero fazer pelo medo da decepção. O que importa é que ele acha que eu sou pai dele e eu acho que ele é meu filho."

Apesar disso, Carlos ainda não registrou Williams e sente um bloqueio entre os dois. "Tenho amor por ele, mas fica um negócio mais travado do que com meus outros três filhos. No começo, ficava inibido até de abraçar e há dois anos chorei para ele depois de tomar cerveja. Disse: meu filho, peço desculpa por tudo o que eu fiz. Aí ele disse que já teve mágoa, mas não tem mais e eu falei que queria registrá-lo."

Carlos diz que o filho ficou contente, mas é "durão". "Acho que no fundo, tem um buraco. Quando a gente é novo, pensa só no ego. Gostaria de pensar da forma que penso hoje anos atrás. Talvez seria mais próximo dele, daria mais carinho. Só no dia em que conseguir registrá-lo vou me sentir completo."

MUDANÇAS LEGAIS

O advogado Luiz Kignel lembra que, além de conseqüências na família, o DNA trouxe mudanças no aspecto legal, principalmente após o Novo Código Civil, que equiparou direitos de filhos legítimos e ilegítimos - antes, os ilegítimos recebiam metade dos bens do filho natural.

Ele explica que ninguém é obrigado a fazer prova contra si. Mas, em casos judiciais, se o suposto pai se recusar a fazer teste de DNA reiteradamente, sem justificativa, estará criando prova contra si próprio. Bem na filosofia do quem não deve não teme. "O exame do DNA também protege o acusado na certeza da prova da inocência, mas o problema em alguns casos é ter de admitir a relação. Alguns homens se negam a fazer o exame para nem sequer dar às esposas a certeza de que tiveram a relação", diz Kignel.