Título: Sem Justiça para 15 mil casos de SP
Autor: Laura Diniz
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2005, Metrópole, p. C1

Os dois juízes do Juizado Especial Criminal teriam de fazer uma audiência a cada 15 minutos para impedir prescrição de processos

Mais de 15 mil processos criminais da capital paulista podem ficar para sempre sem julgamento. Os casos vão prescrever em alguns meses, a não ser que os dois juízes do Juizado Especial Criminal (Jecrim) da Barra Funda façam uma média de 200 audiências por dia durante um ano inteiro - ou seja, uma a cada 15 minutos. A outra alternativa é reforçar a equipe do Jecrim, onde tramitam mais de 30 mil processos por lesão corporal, agressão, erro médico, ameaça e porte de drogas. O juizado da Barra Funda, criado no fim de 2003, concentra as ações por crimes de menor potencial ofensivo de 50% da cidade de São Paulo, mas tem apenas dois juízes, três promotores e 15 funcionários nos cartórios judicial e do Ministério Público (MP). O outro Jecrim, de Itaquera, cuida de cerca de 2 mil processos e também tem dois juízes.

E os processos se multiplicam. "Há vários juizados que não estão rápidos como deveriam, mas nunca vi nada igual ao da Barra Funda. É uma barbaridade", diz o criminalista Antonio Sérgio Pitombo. Como a maioria das infrações que vai para os Jecrim tem penas pequenas, a prescrição acontece em dois anos. Ao fim desse prazo, não pode haver processo para investigar os fatos nem caberá recurso. "O réu se sente muito bem, porque o fato nem consta na ficha dele. Mas e o sentimento da vítima? O Estado é tão inoperante que não julgou", afirma o presidente da Comissão de Direitos e Prerrogativas da Ordem dos Advogados de São Paulo (OAB-SP), Mário de Oliveira Filho.

"Tenho decretado prescrição a rodo. Não tem o que fazer. É frustrante para o juiz e mais ainda para a vítima. Se abusar, até para o réu, que vai ficar sem saber se é culpado ou inocente", diz o juiz Ênio Moz Godoy.

Em junho de 2004, o MP deu vista em cinco prescrições. Um ano depois, o número subiu para 32. Em julho, foram 190. Até o dia 9 deste mês, já foram mais de 130. "Precisávamos do triplo de gente trabalhando aqui", diz a promotora Renata Galhardo Cheuen Zaros. "Não é porque os crimes são menores que não têm importância. A lesão corporal de hoje precede o homicídio de amanhã", diz o promotor Nilberto Bulgueroni.

A Lei 9.099/95, que criou os juizados especiais, trouxe a possibilidade de o acusado negociar com a Justiça. Pela transação penal, ele pode pagar multa ou prestar serviços à comunidade, por exemplo, e não terá menção em sua ficha corrida de que já foi acusado de algo. A maioria dos casos termina assim, sem que o MP ofereça denúncia à Justiça. "Acho que são barganhas irresponsáveis, um desrespeito com as vítimas. Como se pode aceitar que o sujeito que bate na mulher pague apenas cesta básica?", questiona Pitombo. "Esse tipo de violência é crescente. Hoje, ele dá um tapa, amanhã um soco, depois mata."

Por conta disso, diz Bulgueroni, há uma diretriz interna do juizado para priorizar todos os casos de violência doméstica. "Esses não prescrevem." Segundo ele, já aconteceu de uma mulher ter sido morta pelo marido antes da audiência sobre a primeira lesão corporal.

SOLUÇÕES

O juiz Ênio Moz Godoy, responsável pela instalação do Jecrim de Itaquera, foi transferido para o da Barra Funda em junho com o objetivo de botar ordem na casa. Pelas contas dele, o juizado da zona oeste precisa ter, pelo menos, mais dois juízes e mais 20 funcionários no cartório. "Isso tudo foi comunicado à presidência do Tribunal de Justiça 15 dias depois que assumi."

"Se for assim mesmo, o segundo juiz de Itaquera vai para lá na semana que vem", afirmou o juiz José Raul Gavião de Almeida, assessor da presidência do TJ, que disse não estar a par da gravidade da situação. Segundo ele, em até um mês a capital deve ter mais 10 juízes, que serão promovidos do interior. "Se o TJ mandar mais juízes para lá, o MP designa mais promotores imediatamente", afirmou o promotor Arnaldo Hossepian Jr., assessor do procurador-geral de Justiça, Rodrigo Pinho.

Enquanto o reforço da equipe não vem, promotores e juízes buscam alternativas. Já fizeram mutirões aos sábados e três audiências coletivas de acusados de porte de drogas. Em uma tarde, houve 130 transações penais que, se feitas individualmente, gastariam dois meses.