Título: Receita aumenta seu poder de fogo
Autor: Adriana Fernandes
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2005, Economia & Negócios, p. B5

A Super-Receita Federal começa a funcionar hoje em meio à greve de seus servidores e a uma Adin contra a MP que a criou

BRASÍLIA - De olho no aumento da arrecadação para reduzir o déficit da Previdência, o governo põe hoje para funcionar a Receita Federal do Brasil. É uma megaestrutura que reúne a Secretaria da Receita Federal e a Secretaria da Receita Previdenciária - que recolhe as contribuições para o INSS - e passa a ser responsável pelo recolhimento de todos os tributos federais. Escolhido para comandar a Super-Receita, o atual secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, afirma que o poder de fogo contra os sonegadores será bem maior. A estratégia começa a ser definida neste mês, bem como a lista das empresas e pessoas físicas que vão passar pela fiscalização no ano que vem. Auditores da Receita e da Previdência vão começar a fazer todas as fiscalizações de modo integrado.

O processo de transição, avisa o secretário, será longo e lento, para não trazer risco à arrecadação. Inicialmente, mil auditores - 500 de cada órgão - serão treinados para fiscalizar tanto os tributos cobrados pela Receita como as contribuições para a Secretaria da Receita Previdenciária.

A Super-Receita começa a funcionar em meio à greve dos técnicos da Receita e a mobilização da Frente Parlamentar contra a Medida Provisória (MP) 258, que criou o órgão. Apesar da resistência, Jorge Rachid diz não temer o risco de a MP ser rejeitada.

Acamado por um problema no olho, que o obrigou a ficar em casa às véspera da fusão, o secretário concedeu a seguinte entrevista ao Estado.

O sr. passa a comandar uma superestrutura com 30 mil funcionários, maior que muitos ministérios. Qual é o maior desafio?

É uma reestruturação importante para o País, que representa o fortalecimento da administração tributária federal, porque vamos racionalizar os recursos materiais e humanos. A unificação vai trazer simplificação de processos e redução das obrigações acessórias que os contribuintes têm hoje que apresentar.

Mas o objetivo é aumentar a arrecadação.

Uma preocupação muito grande e um dos objetivos da unificação é buscar maior eficiência na arrecadação da receita previdenciária.Esse é o nosso compromisso, que vamos investir a partir de agora. Os sonegadores podem ter certeza de que vão ter que se preocupar muito mais. O custo para praticar evasão tributária vai ser maior.

As obrigações acessórias são as informações que os contribuintes têm de informar à Receita e à Secretaria da Receita Previdenciária. Com a fusão, o número de declarações vai diminuir?

Exatamente. Eu não diria agora, neste primeiro momento, mas ao longo do tempo. Hoje, os contribuintes fornecem informações para a Receita e a Previdência. Não haverá mais necessidade de fornecer declarações para os dois órgãos, o que vai reduzir os custos das empresas.

Como vai ser a transição?

Inicialmente, ainda teremos algumas atividades e estruturas duplicadas, por exemplo, a Coordenação de Fiscalização. Nesse momento, elas vão coexistir, mas sob o mesmo comando, o ministro da Fazenda. A unificação é como se duas grandes corporações resolvessem se fundir. Não é de uma hora para outra que isso vai acontecer; é um processo, a máquina não pode parar. Com as duas estruturas unificadas, vamos começar a pensar num planejamento único de fiscalização. Num segundo tempo, vamos começar a unir os processos administrativos, que são diferentes nos dois órgãos, como também as penalidades. Pretendemos ter o mesmo tratamento de penalidades. Ao logo do tempo, vamos avançando nessa unificação. Nós estamos montando um plano diretor de transição. É esse plano que vai avaliar o que é possível agilizar. Oferecer maior atendimento virtual, pela Internet, é um ponto emergencial. O ponto principal é que o contribuinte não saia prejudicado. Para isso, precisamos oferecer serviços melhores.

Quanto tempo vai durar a transição?

A expectativa é de no prazo de um ano unificar os sistemas, as estruturas. Até lá, faremos movimentos transitórios. Enquanto isso, as tecnologias também vão se ajustando. Temos o Serpro, que atende ao Ministério da Fazenda, e a Dataprev, que serve ao Ministério da Previdência. Elas precisam ajustar as suas bases, construir sistemas que conversem entre si.

A intenção é deixar a Dataprev fazendo só o trabalho para o Ministério da Previdência?

A intenção é essa. Mas aí você me pergunta: quando? Não sabemos. O Serpro precisa primeiro conhecer as plataformas da Dataprev.

Desde o anúncio da criação da Super-Receita tem havido confusão na população. Há quem ache que os postos de atendimento da Receita, com a fusão, vão tratar também dos benefícios previdenciários.

Não tem nada uma coisa a ver com a outra. O que está sendo unificado com a Receita é a parte de arrecadação das contribuições previdenciárias. Não tem nada a ver com o pagamento dos benefícios. Caberá a nós custear o pagamento dos benefícios. Nesse sentido, a nova instituição vai ser mais forte, terá mais elementos para combater a sonegação, a evasão tributária, porque vamos ter uma visão integral do contribuinte. Hoje, a Receita Previdenciária olha com uma ótica e a Receita Federal, com outra. Agora, é um olho só, uma visão integral.

Na prática, o que isso significa?

A área de fiscalização, por exemplo, terá maiores elementos para eleger o melhor contribuinte a ser fiscalizado.

Os srs. vão fazer a seleção conjunta dos contribuintes que serão fiscalizados?

É isso mesmo. Por isso, a urgência da MP. Nós já estamos em agosto. É agora que fazemos a programação da seleção de quem será fiscalizado no próximo ano, dos setores econômicos. Já iremos programar de forma integrada. Em 2006, vamos começar com fogo total, com um planejamento único.

Como é esse planejamento?

Nós selecionamos qual o ano a ser examinado, quais os principais setores, qual a força de trabalho que será empregada na execução das atividades. Vemos quais são as cartas que serão usadas. Na fiscalização externa, a nossa força de trabalho vai aumentar de 2,4 mil auditores para 4,5 mil. Vai aumentar, e muito, o nosso poder de fogo.

Tem havido resistências. Foi criada uma Frente Parlamentar contra a MP. Não há o risco de ela ser rejeitada?

Essa unificação é importante para o País, para a sociedade brasileira. Vai melhorar a arrecadação e o combate à sonegação. Esse movimento é democrático, mas eu acredito na sensibilidade dos parlamentares a respeito da proposta. Essa frente está associada a questões funcionais, da carreira dos servidores. Não há reparo com relação a importância da unificação.

E a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que a Associação Nacional dos Procuradores Federais da Previdência iniciou no Supremo Tribunal Federal? Eles apontam para o risco dos recursos arrecadados não serem usados no pagamento dos benefícios.

É um equívoco. Juridicamente, a MP é sustentável. Não fizemos nenhuma mudança na Constituição. Para afastar qualquer tipo de preocupação, colocamos um dispositivo na MP que fala que o produto da arrecadação das contribuições sociais, patronal e dos empregados, vai ser mantido numa contabilidade separada, com controle próprio. Essa arrecadação será destinada exclusivamente ao pagamento dos benefícios do Regime Geral da Previdência. A via está carimbada.

Mas os técnicos da Receita estão em greve de protesto contra a MP. Ela não está atrapalhando o trabalho nas aduanas?

Esperamos uma reversão (da greve) o mais rápido possível. Não vejo que ela esteja atrapalhando. Os resultados da balança comercial estão aí. Até porque o desembaraço aduaneiro é feito pelo auditor fiscal, que não está na greve.

Com o sr. vê as críticas às operações recentes da Receita, como na Schincariol e na Daslu?

Estamos cumprindo a nossa missão. Os resultados da fiscalização mostram que as ações que estamos fazendo em todas as frentes têm sido eficazes. Elas incomodam, é normal.

Não será difícil começar uma fusão desse vulto em meio à crise política?

Nós estamos falando de uma administração de Estado. A administração tributária é fundamental para o funcionamento do Estado. Estamos muito maduros para que não haja confusão entre governo e Estado.

Surgiram críticas, que o governo resolveu fazer a unificação para mostrar serviço diante da crise.

São conjecturas que não têm nada a ver. Até porque esse assunto já vem sendo estudado há alguns anos. Em 2003, tratamos da mudança. Em 2004, com a criação da Secretaria da Receita Previdenciária, já se previa a unificação.

Com o avanço das investigações da CPI dos Correios e das outras CPIs e novas denúncias de crime fiscal, muitas pessoas passaram a achar que a Receita não está fazendo nada. É o caso do publicitário Duda Mendonça, que confessou lavagem de dinheiro para o exterior. Há um sentimento que nada é feito a partir das revelações.

É falsa essa avaliação. É o contrário, os próprios depoentes estão dizendo: a Receita passou lá, está lá ou já me cobrou. Em muitas casos já passamos e já cobramos. Em alguns casos, já havíamos detectado irregularidades e aplicado autos de infração. Não posso citar nomes de pessoas, porque tem o sigilo. Mas é um equívoco. É lamentável que eu não possa divulgar. Temos absoluta segurança para informar que estamos cumprindo a nossa missão. O secretário está com um olho fechado aqui, mas a Receita está com olhos bem abertos.