Título: A panacéia de sempre
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2005, Notas e Informações, p. A3

Uma unanimidade emerge do escândalo que enxovalha a vida política nacional: é preciso reformar a legislação partidária e eleitoral. Num período de menos de 24 horas, Duda Mendonça, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, o ministro Carlos Velloso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva - entidade e pessoas que pouco têm em comum no plano das idéias - proclamaram que, se não forem mudadas as regras do jogo político, não serão eliminadas as causas desse tipo de corrupção especialmente daninho para os valores cívicos. As Comissões Parlamentares de Inquérito em funcionamento e as investigações levadas a cabo pela Polícia Federal e pela ProcuradoriaGeral da República estão voltadas para a elucidação dos fatos e a apuração de responsabilidades, individuais ou coletivas - o que é absolutamente necessário. Mas não se pode esquecer que é parte fundamental dos trabalhos de uma CPI propor medidas que, no plano estrutural, previnam as irregularidades encontradas. E é isso, a par da rigorosa apuração da autoria das tramóias que estarrecem a Nação, que se espera que as CPIs façam. Mas elas trabalham num compasso próprio, diferente do calendário eleitoral. A comissão que está mais adiantada, a dos Correios, não conseguirá concluir seus trabalhos a tempo de submeter propostas de reforma política ao Congresso, antes de concluído o prazo para que elas, sendo aprovadas, entrem em vigor nas eleições de 2006.

De resto, se há unanimidade a respeito da necessidade da reforma política, há grandes controvérsias sobre o que deve ser mudado e como. A reforma, aliás, nunca passou de um vago desejo por dois motivos. O mais decisivo tem sido a relutância dos parlamentares e líderes partidários em mudar um sistema que é intrinsecamente corruptor, mas de uma forma ou outra favorece os principais interessados, que são eles mesmos.

O segundo motivo são as divergências de essência e forma a que já nos referimos. Elas são inconciliáveis e, por isso mesmo, não estão susceptíveis ao consenso que se busca obter na discussão de projetos que tramitam no Congresso. Não há solução de compromisso, por exemplo, entre a cláusula de barreira e a existência de partidos minúsculos, mesmo aqueles que têm origem histórica. Daí a reforma política ter se tornado uma espécie de panacéia para as crises políticas.

Proposta como solução para tudo, é esquecida assim que arrefece a turbulência, porque ninguém, no Executivo e no Congresso, quer assumir, de fato, a responsabilidade de promover a regeneração dos costumes políticos.

São todos, afinal, beneficiários de um sistema político-eleitoral viciado e o máximo que admitem fazer é reconhecer as iniqüidades do sistema.

Na quinta-feira, o ministro Carlos Velloso anunciou que o TSE constituirá uma comissão para propor ao Congresso medidas legislativas que punam eficazmente os crimes eleitorais - muitos dos quais prescrevem ou são julgados após o fim do mandato obtido ilicitamente - e exijam maior rigor na prestação de contas dos candidatos.

A menos que essa comissão trabalhe à velocidade da luz e o Congresso saia de seu torpor legislativo, as propostas do TSE não entrarão em vigor nas próximas eleições e farão parte do extenso rol dos estudos sobre a legislação partidária e eleitoral que enfeitam as bibliotecas de Brasília.

E por tempo indeterminado prevalecerá a situação bem descrita pelo ministro Carlos Velloso: 'Os delitos eleitorais são tão mal punidos que acabam prescritos. A pena mínima seria de um ano. Ninguém é condenado a penas muito acima do mínimo se não é reincidente, se não praticou (outros) crimes, se tem profissão certa. Acaba ocorrendo a prescrição da pena em concreto.' Melhor dizendo: a legislação em vigor foi feita por parlamentares para que políticos em geral e parlamentares, em especial, fiquem impunes dos crimes eleitorais que cometerem. Essa é uma situação cômoda - na verdade, ideal - para muitos parlamentares, que se dispensam, assim, de adotar normas fixas e impessoais, que permitam avanços institucionais.

Afinal, para tudo dá-se um jeito. Se a legislação permite a proliferação indiscriminada de partidos, inclusive os de aluguel, e isso impede a formação de maiorias no Congresso, ela também permite que o parlamentar eleito traia seu partido e seus eleitores, mudando de legenda para servir às suas conveniências fisiológicas.