Título: Lula diz que está machucado e põe a culpa em 'companheiros'
Autor: Leonencio Nossa, Ângela Lacerda
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/08/2005, Nacional, p. A4

Em conversas no velório de Arraes, o presidente afirma que não dá para saber tudo o que se passa nos bastidores do governo

BRASÍLIA - Ao participar do velório do líder socialista Miguel Arraes, morto aos 88 anos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva confidenciou ontem a ministros e prefeitos que está se sentindo "muito mal" e "machucado" diante da crise política. "Os justos não podem pagar pelos pecadores", afirmou, segundo relato do prefeito do Recife, João Paulo Lima e Silva (PT). Em conversas no Palácio do Campo das Princesas, onde o corpo de um dos mitos da política nordestina foi velado neste fim de semana, Lula pôs a culpa em "companheiros citados nas denúncias" e defendeu uma coesão dos partidos aliados do Planalto no Congresso para garantir o mandato até o final de 2006. "Temos de ir para a ofensiva com coesão, para assegurar a continuidade do governo e dos nossos projetos", disse.

SABER DE TUDO

Numa outra roda de conversas, Lula chegou a desabafar. O presidente teria demonstrado muita indignação com os fatos revelados nos últimos dias, destacando, no entanto, que defende as investigações da CPI dos Correios. "Estou muito machucado", comentou. "Por dentro, isso me faz muito mal. Mas um presidente não pode saber de tudo que acontece nos bastidores do governo."

Assessores que acompanharam o presidente a Recife descartaram a hipótese de um novo pronunciamento público de Lula nos próximos dias, para comentar as denúncias que atingem o governo e os partidos aliados. Segundo eles, o presidente avalia que o discurso feito na abertura da reunião ministerial na sexta-feira, na Granja do Torto, por enquanto é suficiente. Nesse discurso, Lula disse que foi traído e o governo e o PT precisavam pedir desculpas à sociedade. Os assessores também negaram que o presidente tenha manifestado desejo de se desfiliar do PT.

Parte da tristeza que o presidente externou ontem, contou um político de Pernambuco, se deve ao fato de que pessoas 'muito próximas" foram as responsáveis pelo estrago na imagem do governo. "Nunca pensei que certos companheiros pudessem participar desse tipo de processo", afirmou Lula, num comentário que, embora sem citar nomes, sugere destinatários óbvios.

Nas conversas de que participou, o presidente deixou claro que continua circunscrevendo a crise ao âmbito do PT: "O que ocorreu foi algo isolado dentro do PT. É preciso lutar para vencermos este momento e voltarmos à normalidade."

BABEL

O deputado Beto Albuquerque (PSB-PE) relatou ter dito a Lula, durante o velório, que o PT tem atrapalhado a reorganização da base aliada do governo na Câmara. "O PT virou uma torre de Babel, com disputas pessoais, isso é um mau exemplo para os outros partidos aliados", reclamou o parlamentar. Lula apenas ouviu. O presidente voltou a dizer que pretende continuar as viagens pelo País para mostrar as ações positivas do governo.

Natural de Araripe, Ceará, Miguel Arraes venceu as eleições para o governo de Pernambuco em 1963, 1986 e 1994. No primeiro mandato, foi deposto e levado para a ilha de Fernando de Noronha pelos militares golpistas de 1964, após fazer um governo considerado revolucionário pelos historiadores. Ele negociou um pacto com os usineiros para garantir direitos dos trabalhadores rurais e virou mito na Zona da Mata. Os dois outros mandatos foram marcados por greves de policiais e denúncias de irregularidades.

Na comitiva de Lula a Pernambuco viajaram os ministros Jaques Wagner (Relações Institucionais), Dilma Roussef (Casa Civil), Agnelo Queiroz (Esporte), Sérgio Rezende (Ciência), Ciro Gomes (Integração Nacional) e Waldyr Pires (Controladoria Geral).