Título: Comércio freia, indústria acelera
Autor: Marcelo Rehder
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Economia & Negócios, p. B1

Com medo dos desdobramentos da crise política, o varejo resolveu adiar ao máximo a decisão de fechar as encomendas para as festas de fim de ano. Depois do depoimento do publicitário Duda Mendonça, confirmando a existência de caixa 2 na campanha do PT, o setor teme que isso possa contaminar a economia e afetar o ânimo de compra dos consumidores. Essa situação ocorre no momento em que a indústria, mesmo sem uma previsão clara sobre os negócios futuros, começou a acelerar a produção para atender à demanda do Natal. A disparidade de cenários para o futuro da economia é enorme. Na avaliação da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), as vendas de dezembro devem fechar com queda real de 2% em relação ao mesmo período do ano passado. Já na indústria, grandes fabricantes de eletroeletrônicos, como Philips e LG, dizem que estarão abastecidas para atender a um aumento de demanda de 20% a 50% em relação a 2004.

"A indústria precisa trabalhar com, no mínimo, três meses de antecedência e, por isso, tem de arriscar", diz Valdemir Colleone, supervisor-geral das Lojas Cem. "Se o consumo continuar fraco como está, daqui a dois, três meses corremos o risco de ver indústrias falando em férias coletivas por não terem onde colocar seus produtos".

Nos últimos dois meses, o faturamento das Lojas Cem recuou quase 2% em relação a igual período do ano passado, já descontados a inflação e o aumento de receitas com novos pontos-de-venda. Para o Natal, a expectativa era de crescimento real em torno de 5%. "Ainda não dá para prever o que realmente vai acontecer até o fim do ano", diz Colleone.

A Philips programou sua produção de aparelhos de áudio e vídeo dos próximos meses com aumento de 20% em relação a igual período do ano passado. O gerente-geral de vendas da Philips da Amazônia, José Roberto Prioste, acredita que o mercado vai absorver toda a produção, principalmente de TVs de tela plana, LCD e plasma, cujas vendas têm crescido com a redução de preços provocada pela desvalorização do dólar e pelo aumento da escala de produção mundial. "Se algo der errado, vamos buscar planos B, talvez reforçar as exportações ou até mesmo virar o ano com mais estoque. Mas, sinceramente, não vemos esse cenário."

Na LG, o otimismo é ainda maior. Segundo o diretor-comercial para Home Eletronics, Breno Marcelino, a empresa alterou recentemente o planejamento de produção para as vendas de fim de ano, elevando de 40% para 50% a previsão de crescimento em relação a 2004. "Os varejistas estão preocupados, mas até agora ninguém falou em cancelamento de pedidos." Já a Semp Toshiba programou para os próximos três meses crescimento de 25% nas vendas em relação a igual período de 2004.

As Casas Bahia, maior rede de varejo de eletroeletrônicos do País, com R$ 9 bilhões de faturamento em 2004, não tem planos tão ambiciosos quanto os da indústria. A rede deverá se abastecer com a mesma quantidade de produtos por loja do Natal de 2004. "O consumidor não vai gastar mais, principalmente porque sua renda real ficou estagnada", afirma Michael Klein, diretor-executivo das Casas Bahia. Mesmo assim, a rede espera fechar o ano com 609 lojas, 100 a mais do que tinha em dezembro. Com isso, seu faturamento anual deverá saltar para R$ 12 bilhões.

TUDO PARADO

Para o economista Antônio Carlos Borges, diretor-executivo da Fecomércio-SP, não há clima para se imaginar que possa haver euforia de demanda neste fim de ano. "A situação política tende a se complicar e transbordar para o lado econômico, num momento em que o nível de endividamento do consumidor já cresceu bastante, a eficácia da expansão do crédito como estimulador da demanda começa a perder fôlego e a renda da população continua estagnada." Nessas circunstâncias, a Fecomércio-SP prevê para dezembro queda nas vendas reais de eletrodomésticos (5%), artigos do vestuário (4%) e automóveis (20%). Pelos cálculos da entidade, as vendas de eletroeletrônicos deverão repetir o desempenho do ano passado.

"Está tudo parado", afirma José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Segundo ele, são poucos os setores da indústria que tiveram crescimento de vendas nos últimos meses no mercado interno. Entre eles, cita automóveis, cosméticos e produtos de limpeza.

"Se conseguirmos empatar com o segundo semestre do ano passado, já será um grande negócio", afirma Marcel Zalazni, presidente da Passy Manufatura de Roupas. Segundo ele, as compras do varejo da coleção primavera-verão estão 20% menores que no mesmo período do ano passado. "As vendas do varejo no inverno não foram boas. Com estoque alto e caixa baixo, os lojistas não querem arriscar e adiam ao máximo novas compras. Além disso, o mercado ficou nervosíssimo com o agravamento da crise política."

No setor de brinquedos, a Estrela pretende aumentar em 8% as vendas para o Dia da Criança e o Natal, em relação ao ano passado. As vendas para essas duas datas representam 70% do faturamento do setor. "Como o oxigênio do nosso negócio são as novidades, vamos lançar este ano 150 produtos", conta Aires José Leal Fernandes, diretor da Estrela.