Título: Em Sertãozinho, quanto mais o petróleo sobe, mais o povo ri
Autor: Moacyr Castro
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Economia & Negócios, p. B4

SERTÃOZINHO - A preocupação com os constantes aumentos do preço internacional do petróleo não passa nem perto da cidade de Sertãozinho. Ao contrário, provoca risos. A razão é que essa cidade do interior de São Paulo, de 105 mil habitantes e desemprego quase zero, é a maior produtora mundial de álcool e só se beneficia com a crise do petréleo. No município, funcionam sete usinas e uma destilaria, que movimentam mais de 500 indústrias e empregam diretamente 12 mil pessoas. De macarrão a bicicleta, a cidade produz tudo. O empresário que quiser montar uma usina, metalúrgica, siderúrgica, fundição ou central de co-geração de eletricidade a partir de biomassa encontrará "tecnologia 100% sertanezina".

"Apenas de janeiro a junho deste ano, foram criados na comunidade cerca de 6 mil empregos industriais formais, equivalente a 6% da população", ressaltou Maurílio Biagi Filho, membro do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social da Presidência da República, no encontro dos empresários que na semana passada levaram ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, a "agenda mínima" de reformas econômicas.

"O que acontece em Sertãozinho não tem paralelo", define o pesquisador e professor de Economia Vicente Golfeto. "É uma coisa engraçada: o município não atrai indústrias de fora, ele fabrica indústrias".

Nessa pequena "república" muito particular, onde a renda per capita ronda os US$ 7.500, os magazines das grandes redes não têm vez. "De fora, só o Lions e o Rotary", brincam as pessoas. Até a única multinacional do município é sertanezina, a Smar, de tecnologia de automação industrial.

Marcelo Pelegrini, secretário de Indústria e Comércio, observa que a dependência da cidade do setor de açúcar e álcool caiu pela metade. Agora, já produz para a indústria petroquímica, farmacêutica, de papel e celulose e alimentícia, entre muitas outras.

Exibindo pesquisa da Associação Comercial e Industrial de Ribeirão Preto, Biagi Filho mostrou ao ministro Palocci, na reunião em Brasília, que em Sertãozinho o valor médio por cheque compensado é de R$ 587,00, ante R$ 322,00 em Ribeirão.

Essa prosperidade tem duas origens. A mais antiga é a Comunidade do Pati, bairro dos primeiros imigrantes italianos, no fim do século 19. "Gente que veio do norte da Itália, empreendedora, com talento, habilidosa; não herdaram nada, construíram tudo, daí a gênese da auto-suficiência que saltou para a criação da agroindústria adequada à realidade local", diz Biagi.

Maurílio Biagi é filho do sócio de Étore Zanini, da legendária Metalúrgica Zanini, a segunda origem, empresa-mãe dos empresários da maior parte desse parque industrial. Mais de 300 donos de empresas de Sertãozinho foram empregados da Zanini. Muitos se formaram na escola técnica que o velho Maurílio e Étore construíram para ter mão-de-obra especializada, que não existia.

Colonos viraram operários. "Com a Zanini, que fazia equipamentos para todo o mundo, a cidade, em vez de atração turística, virou atração trabalhista: vinha gente de todo lado aprender aqui", conclui Biagi. Com a derrocada do Proálcool, a partir de 1990, os empregados viraram empresários. Como fizeram seus avós na crise de 29, que herdaram o patrimônio da aristocracia falida.

A cidade também é feita de gente como José Roberto Martinelli, diretor da metalúrgica Caldema, que constrói a maior caldeira do mundo em parceria com Maria da Conceição e José Rubens Turini, da Fertron, de automação industrial. Martinelli acabou de chegar do Paquistão com encomendas para uma usina de açúcar.

SEGREDO

O segredo, como tudo em Sertãozinho, é a necessidade visceral de parceria. Cada uma dessas duas empresas exige o trabalho de pelo menos 200 outras indústrias locais. Há parceiros em toda parte. Cada usina ou destilaria que se abre no mundo cria dezenas de empregos em Sertãozinho. Parceria que contagia o poder público e cada cidadão. "As sete creches da cidade são mantidas pela arrecadação da Zona Azul", diz o prefeito Zezinho Gimenes.

Em Sertãozinho, também vivem empresários como Menezis Balbo, de 78 anos, ex-caminhoneiro que puxava cana para o Engenho Central, do coronel Schmidt, hoje presidente da Organização Balbo, das Usinas Santo Antônio e São Francisco, pioneiras na co-geração de eletricidade pelo bagaço de cana, e do açúcar orgânico, e parceira da Usina da Pedra, da vizinha Serrana, na produção do sonhado plástico biodegradável, a partir do açúcar.

Menezis lançou a semente que gerou a evolução de Sertãozinho: doou dois alqueires dentro da área urbana para triplicar o Centro Federal de Educação Tecnológica de São Paulo (Cefet), onde 300 alunos cursam mecânica e automação - 65% deles já trabalham em empresas da cidade. Em 2007, espera a diretora Carmen Monteiro Fernandes, o novo prédio abrigará mil alunos em seis cursos técnicos e dois superiores.

O governo liberou a verba há 15 dias. Foi o último ato de Tarso Genro no Ministério da Educação. Carmen aposta: as indústrias vão contratar todo mundo que se formar, antes de terminar o curso. O formando ganha, em média R$ 1.200,00 por mês, para começar,

Sertãozinho também é da família Ortolan, de Manoel Ortolan, presidente da forte Orplana - Organização dos Plantadores de Cana da Região Centro-Sul do Brasil. "Aqui dá certo porque todos trabalham para o mesmo objetivo. Daí termos sede, filiais e berço de tantas cooperativas numa cidade só: Copereste, Cocred, Cicred, Coperálcool, Copersucar, Copercana..." Ou de Antônio Tonielo, que planta cana, produz álcool e vende carro a álcool em uma concessionária Ford.

A centenária indústria Saran ainda tem chão de terra batida, usa bigorna, malho e ferro em brasa. Ali, foi produzido o primeiro podão, instrumento-símbolo do trabalho do cortador de cana. Ainda assim, não parou de evoluir: hoje faz também a lâmina das moderníssimas colheitadeiras mecânicas de cana, a mais cara máquina agrícola do Brasil.

Agnaldo Hermógenes dos Santos, misto de diretor e operário da Saran, tem a resposta para o segredo da longevidade das empresas de Sertãozinho. "É que nós fazemos melhor do que os outros; quando fizerem melhor do que nós, a gente acaba."