Título: País já exporta combustível nuclear
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Economia & Negócios, p. B5

RIO - São vendas pontuais, mas o Brasil começa a exportar alguns itens da extensa cadeia do combustível nuclear, uma forma de assegurar conhecimento sobre como funciona um negócio que movimenta por ano US$ 14 bilhões em todo o mundo e cuja tendência é de crescimento. A busca de "massa crítica" ampara também a ofensiva que a Indústrias Nucleares do Brasil (INB), instalada em Resende (RJ), pretende lançar no prazo máximo de uma década. Na última sexta-feira, um grupo de funcionários preparava dentro da unidade 2 da Fábrica de Combustível Nuclear o último lote de urânio enriquecido que será exportado para a Argentina. Segundo Samuel Fayad Filho, diretor de Produção do combustível nuclear, o País atende a duas encomendas. Ao todo, são 800 quilos de urânio, 400 quilos com enriquecimento de 2,6% e mais 400 quilos com 3,6%. O material será misturado na Argentina para a produção de toneladas de urânio com baixo enriquecimento, de 0,8%, quase como o encontrado na natureza (0,7%).

Outro negócio em curso é a exportação de componentes usinados desenvolvidos para a nova geração de combustível nuclear. A primeira novidade será a produção de urânio enriquecido em níveis acima de 4%. A segunda será a produção do elemento combustível, o conjunto formado pelas varetas de ligas especiais de menor espessura, onde são depositadas as pastilhas de urânio. O projeto faz parte de um consórcio de empresas INB (Brasil), KNFC (sul-coreana) e Westinghouse (EUA). A principal vantagem será a melhor eficiência em troca de calor no interior dos reatores. A usina de Angra 1 usará o novo combustível a partir de 2008, quando fizer a 16.ª recarga do reator.

O plano brasileiro para exportações de combustível nuclear completo deve, segundo a INB, começar com força em dez anos. Até lá, o cronograma prevê que em 2011 (talvez 2010) a estatal tenha em funcionamento as dez cascatas de enriquecimento, o que seria suficiente para atender a 60% da demanda de recarga de Angra 1 e 2. Em dez anos, a expectativa é que seja alcançada a auto-suficiência em combustível nuclear, o que considera o abastecimento total de Angra 1, 2 e 3. É grande, aliás, a expectativa para uma decisão final do governo brasileiro sobre a conclusão de Angra 3. "Se Deus quiser, ela existirá", diz Ezio Ribeiro, gerente responsável pela unidade de enriquecimento.

Um ponto é importante. Ao alcançar a marca de 60% da demanda interna, o complexo industrial em Resende não precisará mais de subsídio governamental. "O projeto passa a ser auto-sustentado", diz Ribeiro. A INB está dimensionada para atender entre 5 e 6 usinas nucleares. Tem capacidade para produzir 180 toneladas ao ano de pó de urânio e de 150 mil toneladas de pastilhas.

Polêmica, demorada, mas, enfim, é aguardada para setembro a assinatura final do acordo de salvaguardas com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), órgão da ONU responsável pelas inspeções de instalações nucleares.

A minuta do acordo extraída da reunião, no início deste mês, entre INB, Marinha, Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares, Comissão Nacional de Energia Nuclear e a Agência Internacional (AIEA), ratifica a posição brasileira de resguardar detalhes da tecnologia das ultracentrífugas. Pelo acordo, fica assegurada a inspeção das quantidades, níveis de enriquecimento (até 5%) e observações visuais que garanta que não há desvios de material.

As salvaguardas, chanceladas pela AIEA, dão, segundo a INB, mais força ao País em futuras negociações sobre combustíveis nucleares, diz Samuel Fayad Filho. Até o plano estratégico de construção e operação de dez cascatas para enriquecimento do minério de urânio ganha nova dimensão.

Até meados de 2006, duas unidades de enriquecimento estarão em operação. A primeira, em fase de teste, produzirá neste semestre a batelada inaugural de urânio enriquecido no Brasil para Angra 2. A recarga será em janeiro de 2006.

O projeto total das dez unidades de enriquecimento custará R$ 300 milhões, dinheiro repassado pelo governo. A expectativa é que sejam liberados, a partir de 2006, R$ 60 milhões por ano. Nesse ritmo, o programa fica mantido. A receita anual da INB, oriunda do fornecimento para Angra 2, é de R$ 185 milhões, insuficiente para investimentos.