Título: Vulnerável é o governo
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Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Notas e Informações, p. A3

Com a surpreendente aprovação de um salário mínimo de R$ 384,29 no Senado, o governo sofreu a segunda derrota em dois dias no Congresso Nacional. No dia anterior, a Comissão Mista de Orçamento havia aprovado uma desastrosa versão do projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que ainda será submetido ao plenário. As duas votações foram contrárias à política fiscal, um dos pilares da segurança econômica. O governo terá de agir com vigor para mudar o jogo e, se o mínimo de R$ 300 não for restabelecido na Câmara, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deverá vetar o texto aprovado no Congresso e editar nova MP. A votação da Medida Provisória do Salário Mínimo no Senado eliminou qualquer dúvida possível sobre a situação do governo: está desarvorado, suas forças estão dispersas e falta o mínimo de coordenação para defender suas políticas no Congresso. Também ficou claro que os analistas econômicos vinham olhando para o lado errado. Quando o escândalo dos Correios começou a tomar proporções preocupantes, há cerca de dois meses, muitos perguntaram se a economia brasileira seria atingida por uma crise política de tanta importância.

Os mercados deram fortes sinais de inquietação na quinta-feira, quando o depoimento do publicitário Duda Mendonça aproximou a crise do presidente. Até esse momento, no entanto, pouquíssima turbulência havia sido causada pelos eventos políticos de Brasília. As bolsas continuaram a mover-se, na maior parte do tempo, como se a vida na capital não estivesse dominada por denúncias gravíssimas, inquéritos parlamentares e duros embates políticos. O risco Brasil também diminuiu mais de uma vez desde o início da crise. O dólar voltou a subir na quinta-feira, impulsionado pelo quadro político e pela intervenção do Banco Central, mas, até então, a cotação havia caído. A inflação tem recuado e os juros pararam de subir.

Boas notícias continuaram fluindo também da economia real, nos últimos dois meses, com resultados excelentes no comércio exterior e sinais de uma atividade industrial mais vigorosa do que muitos vinham imaginando. Até a crise se aproximar da Presidência, os observadores estavam, portanto, olhando para o lado errado. Teriam acertado se tivessem buscado sinais de vulnerabilidade econômica primeiramente em Brasília. Foi lá que a economia brasileira, pela fraqueza e pela desorganização do governo, começou a sofrer os efeitos até agora mais perigosos da crise política.

Os favores financeiros arrancados pela bancada ruralista e as aberrações introduzidas no projeto da Lei de Diretrizes Orçamentárias evidenciaram as dificuldades do governo para manter o rumo da política fiscal. A votação da MP do Salário Mínimo no Senado, no dia seguinte, tornou estridentes os sinais de alerta.

O mínimo de R$ 300 proposto pelo Executivo havia sido negociado com amplos setores sindicais e políticos. Apesar disso, uma alteração defendida pelo senador Antonio Carlos Magalhães (PFLBA) foi aprovada por 30 votos contra 27 e 5 abstenções. Se entrasse em vigor o mínimo de R$ 384,29 aprovado nessa votação, o governo teria uma despesa adicional de R$ 16,4 bilhões. Acusar de irresponsabilidade o senador baiano e seus companheiros nessa aventura não tornaria mais defensável a posição do governo. Comprovou-se mais uma vez que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que fazia a 15ª viagem dentro do País em cinco semanas, continuava distante do comando que deveria exercer. Pelo menos até o 'choque Duda', todos os seus atos confirmavam que administrar é o que menos lhe interessa. Sua atividade principal e quase exclusiva até agora era cortejar forças que possam, segundo seu entendimento, apoiá-lo no caminho da reeleição. Ausente o chefe do Executivo, nenhum de seus auxiliares tem cumprido a função de articular as forças políticas que restam ao governo para impedir que suas atividades não rotineiras sejam paralisadas.

Não basta o presidente passar por Brasília, de vez em quando, para uma reunião com ministros ou com dirigentes da Câmara e do Senado. Também não basta reconhecer, em carta aos bispos, a gravidade da crise e tampouco pedir desculpas pelos 'erros' do PT que a desencadearam. A crise é tanto mais grave quanto menos capaz se revela o governo de administrar e oferecer um rumo ao País.