Título: O desafio do Cade
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Notas e Informações, p. A3

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) tomou importante medida para equilibrar a concorrência no setor de mineração. O Cade aprovou a aquisição de quatro mineradoras pela Companhia Vale do Rio Doce, feita entre 2000 e 2001, mas obrigou a empresa a reduzir sua participação no mercado e a abrir mão do direito de preferência na compra dos excedentes da mina Casa de Ferro, que pertence à Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Graças à incorporação de concorrentes menores, a Vale havia aumentado a sua participação na oferta de minério de ferro granulado na Região Sudeste de 29% para 73%, e de 96% para 100% da oferta de minério de ferro fino. Com isso, afirmaram os conselheiros, a empresa poderia manipular os preços dos insumos de suas clientes - as siderúrgicas. Para evitar o risco de concentração econômica nos segmentos de minério de ferro e logística, o Cade determinou a perda do poder de veto da Vale na MRS, empresa controladora de um dos dois corredores ferroviários existentes no País para escoar a produção para o exterior. Com esse julgamento, a CSN poderá se converter na principal rival da Vale no mercado de minérios. Pelo porte das duas companhias e pelo impacto da decisão na economia, uma vez que ambas são decisivas para o desempenho do setor industrial no País, essa foi a decisão mais importante do Cade, em seus 43 anos de vida. Desde a abertura comercial, no início nos anos 90, esse foi o maior processo de concentração empresarial em nossa história, superando em muitos os casos da formação da AmBev e o da compra da Garoto pela Nestlé.

O problema da concentração econômica gerado pela fusão e incorporação de empresas é o desdobramento inevitável da revogação de monopólios públicos e da privatização de serviços essenciais. Com a desestatização da economia, acelerada pelo Plano Real, em 1994, era inevitável que a venda de empresas públicas no setor de infra-estrutura atraísse conglomerados multinacionais e levasse à formação de grandes grupos nacionais. E, como para o País o que está em jogo é a questão do desenvolvimento nacional, coibir a formação de oligopólios e combater a prática de dumping tornaram-se um dos principais desafios para os governantes.

O primeiro a enfrentá-lo foi o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, que modernizou o direito antitruste e institucionalizou o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC), constituído pela Secretaria de Direito Econômico (SDE) e pela Secretaria Especial de Acompanhamento de Preços (Seae), além do próprio Cade. Esses órgãos, no entanto, exercem funções por vezes justapostas e têm de seguir procedimentos administrativos complexos.

Além de tornar a avaliação dos atos de concentração econômica excessivamente morosa, prejudicando a iniciativa privada, isso também permite às partes derrotadas no Cade questionar as decisões do órgão nos tribunais, o que desmoraliza o SBDC.

Muitas foram as propostas para superar esse problema, mas nenhuma delas saiu do papel. O projeto mais recente tenta incorporar as linhas mestras de todas elas e foi apresentado recentemente pelas equipes econômica e jurídica do presidente Lula, tendo sido submetido a um debate público patrocinado pela FGV. Ele tem o mérito de reduzir o número de órgãos do SBDC, reformular as competências do Cade, ampliar o mandato de seus conselheiros e simplificar e agilizar o processo de avaliação das operações de fusão e aquisição. No entanto, algumas das inovações propostas têm causado polêmica. A mais importante é a relativa à imposição do exame prévio das fusões e incorporações, que hoje são julgadas pelos órgãos antitruste somente depois de realizadas. Como o Cade não dispõe de um corpo técnico suficientemente numeroso, a iniciativa privada teme que ele não tenha condições de exercer suas novas tarefas com eficiência, especialmente nas operações de alta complexidade financeira e técnica.

Por isso, o processo em que a Vale e a CSN se enfrentaram, no Cade, é mais um estímulo para que o governo aperfeiçoe seu projeto de reforma do SBDC. O clima político do País não pode ser justificativa para mais delongas, uma vez que a eficiência do sistema de defesa da concorrência é um fator de atração de capitais.