Título: Para muitos militantes, crise é o fim do sonho do partido ético
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Nacional, p. A4

A crise política que demoliu o PT e abalou o governo Lula representou o fim de um sonho para intelectuais de esquerda, elite sindical, ex-guerrilheiros, ativistas da Igreja Católica e revolucionários. "Infelizmente não há mais o mito do PT ético. Um grupo constituiu uma organização criminosa no partido, que praticou delitos de toda ordem e descaracterizou o patrimônio que construímos por 25 anos", diz o deputado Ivan Valente (SP). "É lamentável que a cúpula petista tenha destruído os sonhos de tantos brasileiros."

A situação no PT é tão grave que o presidente do partido, Tarso Genro, teme uma debandada e faz um apelo para que ninguém saia no momento atual. "Temos de reerguer o partido. Ninguém deve sair. Providências serão tomadas", assegura Tarso, quando cobrado a respeito de punição aos que se envolveram nas irregularidades ou receberam dinheiro das contas de Marcos Valério Fernandes de Souza.

O problema é que o PT é dominado por uma junção de tendências de centro, aglutinadas no que se denomina Campo Majoritário. A influência do ex-ministro José Dirceu sobre esse setor ainda é enorme.

O deputado Carlito Merss (SC) é do Campo Majoritário. Mas diz que não tem nada a ver com o que outros do seu grupo fizeram. "Tínhamos a certeza, a partir de 88 e 92, quando assumimos prefeituras, que não dava mais para viver de sonhos. Tínhamos de cair na real", afirma ele. "Estamos num massacre diário há quase três meses. É muito difícil a situação."

Ele acredita que os petistas precisam levantar a cabeça, ir para as ruas, punir os responsáveis pelos erros. "Quando saio de casa, as pessoas me cobram punição. Isso tem de haver. Cabeças têm de rolar. Sei que pode haver injustiças, mas fazer o quê?" Merss lamenta que a antiga cúpula do PT tenha sonegado informação aos militantes, deixando-os na situação atual. "Uma das formas que temos de preservar o partido, apesar de todas as feridas, é sermos mais humildes, baixarmos a bola."

Para o deputado, no poder o PT falhou. Não conseguiu, por exemplo, separar o que é partido do que é governo. Na tentativa de elevar a moral do PT de Joinville, Merss decidiu ser candidato a presidente do partido com chapa que se intitula "Sem medo de ser petista". Situação muito diferente da que viveu meses atrás, quando petista era sinônimo de força e poder.

BOLA DE CRISTAL

A senadora Ideli Salvatti (SC), que no início da CPI dos Correios se portava como chefe da tropa de choque do governo e apontava conspiração dos oposicionistas em qualquer situação, diz que, depois de tantas decepções e de ter sido atropelada pelos fatos, jogou fora a bola de cristal e não faz mais prognósticos. "Minha bola de cristal partiu, esfarelou-se, acabou."

Ideli, que também é do Campo Majoritário, acha que o PT tem de buscar saídas, administrar a crise, ser mais humilde. "O partido é de importância fundamental para a democracia. Nós estamos muito feridos, muito machucados, mas temos de procurar soluções."

Para ela, o partido só se salva se fizer a depuração, pôr para fora os indesejáveis, mostrar que não acoberta a corrupção. Mas sabe que não há espaço para o mito do partido ético. O PT tornou-se como os outros.

Para um observador de fora, o senador Pedro Simon (PMDB-RS), a antiga cúpula do PT é criminosa. "Os ex-dirigentes jogaram fora o sonho de milhões de brasileiros que votaram em Lula. Foi uma ação criminosa que tem de ser reparada."