Título: Lula se distancia do PT e apóia estratégia para isolar Dirceu
Autor: Vera Rosa
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Nacional, p. A4

BRASÍLIA - O governo quer neutralizar a forte influência do deputado José Dirceu (SP) no PT para evitar que a crise política desgaste ainda mais o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente do PT, Tarso Genro, disse a Lula que era preciso combinar uma estratégia conjunta para refundar o partido e afastar Dirceu. Para se salvar, Lula também vai se distanciar cada vez mais do PT. "Nós não sabemos o que está por vir", disse Tarso, numa referência à possibilidade do pedido de impeachment. "O problema é que a antiga maioria do PT só se preocupa em ser maioria, em ter poder. Eu não concordo com esse método", completou ele, que vai disputar a eleição direta para o comando do partido, em setembro, como candidato do Campo Majoritário. Detalhe: já disse que esse grupo implodiu.

Ex-chefe da Casa Civil e ex-presidente do PT, Dirceu está cada vez mais irritado com os ataques de Tarso, que deixou o Ministério da Educação para assumir o partido. Em conversas reservadas, Dirceu não se contém. "Ele quer acabar com o Campo Majoritário. Isso é um haraquiri", comparou, ao mencionar o grupo que controla o PT.

Emissários de Lula tentaram convencer Dirceu a renunciar ao mandato de deputado, antes que o Conselho de Ética da Câmara abrisse processo de cassação contra ele. Não conseguiram. "Querem me fazer de bode expiatório", reagiu. "Mas eu não vou assumir nada do que não fiz. Vou até o fim."

Com o depoimento devastador do publicitário Duda Mendonça - que admitiu na CPI ter recebido dinheiro de caixa 2 do PT, por meio do empresário Marcos Valério, em pagamento a serviços prestados na campanha de 2002 - e as afirmações do ex-deputado Valdemar Costa Neto, envolvendo Lula e Dirceu numa negociata para conseguir o apoio do PL, tudo piorou para o governo.

"Seria muito bom que o Dirceu tivesse o mesmo comportamento do José Genoino, que se recolhesse politicamente", disse um interlocutor de Lula, que também integra o Campo Majoritário, ao lembrar da renúncia de Genoino da presidência do PT, há 35 dias. "Em todos os episódios o nome de Dirceu é mencionado, mas até hoje ninguém formalizou o pedido de afastamento dele da direção do PT."

Integrante da tendência Democracia Socialista, o secretário de Formação Política do PT, Joaquim Soriano, defendeu a desidratação de Dirceu. "Tem que ter um ambiente petista de alta legitimidade onde o José Dirceu não mande", afirmou. "Para destravar as investigações internas é preciso haver um movimento de fora para dentro." Romênio Pereira, um dos vice-presidentes do partido, foi na mesma toada. "Cresceu a pressão para que seja feita a depuração no PT."

Foi Tarso que convenceu Lula a fazer um pronunciamento falando em traição de companheiros e pedindo desculpas ao País. Mesmo assim, achou que o tom do presidente foi muito comedido. "Lula foi enganado por pessoas que o acompanharam em sua trajetória política", insistiu o presidente do PT.

Nos últimos dias, um dos poucos nomes de peso do Campo Majoritário petista a sair publicamente em defesa do ex-chefe da Casa Civil foi o secretário-geral do PT, deputado Ricardo Berzoini (SP). "Não estou vendo nenhum movimento subterrâneo do Dirceu para manter o controle do partido nem impor seu ponto de vista", observou Berzoini, que tinha a preferência do ex-ministro para presidir o partido. "Ninguém pode ser julgado previamente nem linchado a priori."

Para Dirceu, a atual direção do PT quer criar confusão. "Nem sei por que fui naquela reunião do diretório nacional, na semana passada", lamentou ele, negando ter articulado nos bastidores uma sobrevida para o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares. Na reunião, Dirceu falou pouco, mas uma de suas frases chamou a atenção: "Esqueçam o que passou. Já acabou." Se depender dos aliados de Tarso, porém, o divórcio será litigioso. "O PT precisa punir com urgência os culpados", endossou o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (SP). Para Lula, o resultado da batalha é cada vez mais imprevisível.