Título: CPI aponta furos no depoimento de Duda
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Nacional, p. A10

BRASÍLIA - Passado o efeito psicológico do depoimento do publicitário Duda Mendonça à CPI dos Correios, os técnicos da comissão detectaram sinais de que a versão apresentada pelo marqueteiro - de que foi obrigado pelo empresário Marcos Valério a abrir uma offshore nas Bahamas para receber o pagamento pela campanha do PT via uma conta em Miami - tem vários furos. A principal evidência contra a versão de Duda é que pelo menos 35 dos 40 depósitos de dólares em sua conta no BankBoston de Miami tiveram como origem recursos sacados diretamente da boca do caixa do Banco Rural.

Pelos dados reunidos pela CPI, há uma coincidência perfeita entre as datas e os valores dos saques e as remessas ao exterior.

Tudo começou no dia 11 de março de 2003. Naquele dia, o policial David Rodrigues Alves foi autorizado a sacar R$ 300 mil do Rural em Belo Horizonte, referente ao cheque nº 725429. No dia seguinte, a offshore do Rural em Grand Caymann, a Trade Link, autorizou uma transferência de US$ 83.600 (R$ 300 mil pelo câmbio da época, descontando as comissões) para a conta da offshore de Duda, a Dusseldorf Company. No mesmo dia 12, outros R$ 300 mil foram sacados do Rural no Brasil e, um dia depois, mais um depósito equivalente no Boston de Miami.

"Sem dúvida essa história está mal contada e tem muitas lacunas", reagiu o deputado Onyx Lorenzoni (PFL-RS), ao saber das coincidências.

De acordo com os assessores da CPI, só haveria sentido em Marcos Valério obrigar Duda a abrir uma offshore se parte do dinheiro que alimentava o esquema já estivesse no exterior e não pudesse ser "internalizado" no País. Essa possibilidade está relacionada à suspeita de que existissem grupos com capital fora do Brasil dispostos a contribuir para o caixa 2 do PT.

Entre os R$ 10,6 milhões transferidos para a conta de Duda no BankBoston de Miami, há depósitos sem o correspondente saque no Brasil, pelos dados já disponíveis. Há cerca de 100 cheques pagos pela empresa de Valério, a SMPB, cujos sacadores ainda não foram identificados. Pode ser o caso dos US$ 131.838 (R$ 400 mil) transferidos em 16 de junho de 2003 para o Boston de Miami por intermédio do Banco Israelense de Desconto de Nova York. Nesse dia, ou na véspera, a CPI não encontrou qualquer saque no Rural.

Mas esse é um caso raro. A maioria das remessas que beneficiaram Duda - R$ 8,85 milhões dos R$ 10,6 milhões - ocorreu na mesma data ou um dia depois dos saques realizados por diferentes pessoas autorizadas por Valério.

Isso é forte indicador de que o dinheiro dos depósitos se originou no Brasil e, a partir de doleiros, foi irrigado para contas no exterior até chegar à Trade Link e a outras offshores que ordenaram as transferências para a Dusseldorf. Nesse tipo de operação de câmbio negro o dinheiro não deixa fisicamente o país. Apenas é compensado por uma quantia equivalente de moeda estrangeira que deseja ser internalizada no país sem deixar rastro nem pagar tributos.

De acordo com Lorenzoni, outra contradição na versão de Duda é ele ter dito que cedeu às pressões para abrir a offshore porque estava devendo a fornecedores e precisava receber o dinheiro do PT mas, quando recebeu, não o movimentou. Os US$ 3,25 milhões continuam depositados no Boston de Miami, segundo o próprio Duda. "A pergunta que fica é: com que dinheiro ele pagou seus fornecedores?", questiona o pefelista.

O Estado tentou ouvir Duda Mendonça e seu advogado, mas até o final dessa edição não obteve retorno.