Título: 'É preciso acabar com a história de transformar candidato em sabonete'
Autor: Guilherme Evelin e Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Nacional, p. A12

BRASÍLIA - O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Velloso, defende o fim dos marqueteiros na política nacional. Convencido do "mal que eles fizeram", Velloso diz que as propagandas milionárias são a raiz da disseminação do caixa 2 e propõe mudanças radicais nos programas eleitorais na TV, como tempo menor, para barateá-los, e proibição de cenas externas, para acabar com a maquiagem eleitoral. "É aquela história de vender o candidato transformado em sabonete. Isso precisa acabar ", defende. Nos últimos 15 anos, Velloso assistiu às crises políticas de um posto privilegiado. Nomeado pelo ex-presidente Fernando Collor para o Supremo Tribunal Federal (STF), participaria depois de seu processo de impeachment. Prestes a completar 70 anos e entrar na aposentadoria compulsória, quer aproveitar o tempo que lhe resta à frente do TSE, até janeiro, para lançar o debate de uma faxina na legislação eleitoral.

Por iniciativa de Velloso, o tribunal formou uma comissão para propor medidas de moralização das campanhas. Uma das idéias em estudo é aumentar a pena para prática de caixa 2. A seguir, a entrevista concedida na sexta-feira ao Estado.

Mais de dez anos depois do impeachment do ex-presidente Collor, o Brasil tem de novo um presidente em meio a denúncias de caixa 2 em campanha eleitoral. Por que não se avançou nesse período no controle do financiamento?

A nossa legislação, infelizmente, é liberal e precisa ser alterada. É nesse sentido que o TSE começou a trabalhar. Nomeamos uma comissão de juristas e técnicos, com ministros que pertenceram a esse tribunal e especialistas do Tribunal de Contas da União (TCU). Ela vai ter a participação do ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que poderá nos trazer experiência na identificação de sonegação fiscal e de declarações não condizentes com o patrimônio. A comissão vai rever e atualizar os delitos previstos no Código Eleitoral.

Quais os problemas da legislação?

O capítulo dos delitos eleitorais do código está defasado. É de 1965. É preciso que esses delitos eleitorais sejam punidos com uma maior severidade, com penas mais largas. Do modo como está, tem-se a impunidade. A questão do caixa 2 estaria tipificada no artigo 350 do Código Eleitoral (omitir em documento público ou particular declaração que dele deveria constar ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa). A pena é de reclusão de até cinco anos e multa. Parece que se está apenando exemplarmente. Mas a pena mínima é de um ano. E geralmente um delito desse, quando a pessoa não tem antecedentes criminais, cai na pena mínima. A prescrição é muito rápida e cai na impunidade. Poderíamos prever pena de 3 a 5 anos. Aí não haveria prescrição.

No Brasil, mudam-se as leis, mas isso quase nunca resolve os problemas. Para combater a prática generalizada do caixa 2, não é preciso ir mais fundo ?

Sem dúvida é preciso alterar a cultura política, isso leva tempo. Mas, com normas rigorosas, pensarão duas vezes. Você notou que muitos preferem confessar crime eleitoral?

Isso também não acontece porque a Justiça Eleitoral seria mais leniente?

A Justiça tem de julgar de acordo com a lei. E a lei é liberal. Essa é a questão. No dia em que o Judiciário começar a decidir além da lei, ficaremos ao sabor dos bons e maus humores dos juízes. Por isso, é preciso endurecer.

Na semana passada, o senhor chamou de cara-de-pau quem faz caixa 2. A quem o senhor se referia?

Cara-de-pau é aquele que confessa sorridente porque pensa que vai ficar impune. E, se não alterar a lei eleitoral, vai ficar mesmo. O que é lamentável.

O senhor acha possível o Congresso aprovar uma lei para aumentar a pena para o caixa 2?

Sim. Há um núcleo no Congresso de parlamentares honestos, dignos, que estão sofrendo.

A Justiça Eleitoral não falha na fiscalização das campanhas?

A Justiça faz o que pode. A comissão também vai elaborar projeto de lei a ser encaminhado ao Congresso com medidas para modernizar e aperfeiçoar o sistema de prestação de contas pelos partidos.

Como são analisadas as prestações de contas?

No TSE, as contas passam por uma seção, com apenas cinco funcionários, que verificam documentos. Algumas notas fiscais frias são apanhadas. Mas estou propondo medidas para apertar a coisa. Queremos fazer convênios com as Receitas (Federal, estaduais e municipais). Também tive a idéia de ter à nossa disposição uma equipe de auditores especializados em tomadas de contas no período entre 4 meses antes da eleição e 5 meses depois.

A divulgação pela internet de doações para campanha não facilitaria a fiscalização?

Hoje já há essa faculdade de declarar on line. Mas nós queremos transformar em obrigação. Também vamos discutir a criação de um teto para doações de pessoas jurídicas e físicas aos partidos. Outra sugestão é que as doações sejam declaradas no Imposto de Renda. Sustento a tese de que o poder público deve participar financeiramente das campanhas. Não com dinheiro em espécie, porque isso não acaba com o caixa 2. O doador deveria receber incentivo fiscal na proporção da doação. Ele passaria a ter interesse em declarar o que doou pois teria uma contraprestação. O Estado deixa de arrecadar, mas acho que vale a pena.

Há outras idéias em estudo no TSE?

A comissão também vai discutir a proibição de doações a campanhas por parte dos fornecedores que estejam licitados com o governo no ano da realização das eleições. O que estaremos evitando com isso? Aqueles que fazem uma doação como forma de investimento porque têm interesses em licitações. Leia-se aí: empreiteiros. Estamos pensando em licitação de grande valor. Também vamos discutir a celebração de convênio para que os extratos bancários das prestações de contas partidárias e eleitorais sejam encaminhados para a Justiça Eleitoral em meio eletrônico. Isso vai ser uma espécie de Coaf no TSE. E, finalmente, há uma proposta de auditoria in loco nos partidos políticos em caso de indício de irregularidade. Hoje, não há isso.

A comissão não vai discutir nenhuma proposta de redução de custos das campanhas?

A minha idéia é de programa eleitoral sem nenhuma maquiagem. Sem tomadas externas. O sujeito chega e expõe suas idéias. Em 1994, fui chamado de atrasado por defender isso. Hoje o que acontece é uma disputa de quem tem mais dinheiro. É aquela história de vender o candidato transformado em sabonete. Isso precisa acabar. Outra idéia é diminuir o tempo da campanha para barateá-la.

O senhor quer acabar com os marqueteiros?

Exatamente. Vejo o mal que fizeram.

O que o senhor achou do depoimento do publicitário Duda Mendonça na CPI dos Correios?

Um depoimento sincero de um homem que me parece honesto.

Ele relatou várias irregularidades. O TSE aprovou as contas da campanha presidencial de Lula em 2002. Diante dos novos fatos, o processo pode ser reaberto?

Em tese, prestação de contas pode sempre ser reaberta. Desde que surjam fatos novos, as prestações de contas podem ser reabertas. A Justiça fica no aguardo da provocação que certamente virá mediante denúncia do Ministério Público.

A reforma política não deveria incluir alguma punição para quem renuncia a mandatos para fugir da cassação?

Isso é uma farsa. Não deveria ser assim. O processo deveria prosseguir, como decidiu o STF no caso Collor. Há princípios inscritos na Constituição que todos estamos obrigados a seguir. Um deles é o da moralidade administrativa.

Hoje os candidatos não são obrigados a assinar as prestações de contas. Deveriam ser obrigados?

É uma boa idéia obrigar todos os candidatos a assinarem as prestações de contas.

Pela jurisprudência do TSE, o responsável pelas contas é o candidato ou quem as assina?

É quem subscreve.