Título: País perplexo, estudantes agitados
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Nacional, p. A14

Os diretórios e centros acadêmicos das principais escolas universitárias do País estão agitados. Em reuniões, assembléias, manifestações públicas, os estudantes debatem a crise política e procuram definir o que fazer. Na segunda-feira, a presença do deputado petebista Roberto Jefferson na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, em São Paulo, provocou mais alvoroço que a ida de Luiz Inácio Lula da Silva à mesma escola, quando era candidato a presidente. A audiência, que lotou o salão onde Jefferson foi recebido e se estendeu pelos corredores da histórica escola, rachou ao meio: metade queria que ele falasse, enquanto a outra metade gritava "picareta". De acordo com os líderes estudantis, é impossível ficar alheio à crise, que está na boca da maioria dos estudantes. "A crise criou um clima de perplexidade e desencanto, mas também ampliou o debate político", observa o presidente do Centro Acadêmico 11 de Agosto, do Largo São Francisco, Fernando Borges, de 21 anos. "Voltamos das férias de julho e encontramos todo mundo incomodado com o que estava sendo revelado nas CPIs", confirma Júlio César Stella, 20 anos, da diretoria do centro acadêmico da Fundação Getúlio Vargas.

Na sexta-feira à noite, o Diretório Central dos Estudantes da Universidade São Paulo realizou uma assembléia-geral para debater a crise. No mesmo dia, em Belo Horizonte, universitários organizados pela União Nacional dos Estudantes (UNE) foram às ruas, com os rostos pintados, protestar contra a corrupção. No dia anterior, manifestação semelhante, promovida pelo DCE da Universidade Federal do Rio Grande Sul, cruzou as ruas de Porto Alegre. Para esta semana estão previstas passeatas em Brasília.

A situação lembra o que aconteceu 13 anos atrás, quando estudantes saíram às ruas com os rostos pintados para gritar "fora Collor" - e entrar para a história com a alcunha de caras-pintadas. Mas há diferenças substanciais entre os dois movimentos. Em 1992, era unanimidade a defesa do impeachment do presidente Fernando Collor, atolado em denúncias de corrupção. Em 2005, ainda são poucos os líderes dispostos a apoiar o impeachment. Até agora, os brados de "fora Lula", como os ouvidos no Largo São Francisco na noite de Jefferson, partem de estudantes ligados ao PSTU - o partido da tendência trotskista Convergência Socialista, expulsa do PT.

Há vários motivos para essa diferença. O mais visível é a influência da Juventude Socialista, o braço estudantil do PC do B que domina a UNE desde o fim dos anos 70.

O PC do B, tradicional aliado do PT, alinha-se com os movimentos que desconfiam da existência de um golpe branco para derrubar Lula - e seus representantes no meio estudantil compartilham essa desconfiança. "A idéia de impeachment, defendida pela ultra-esquerda, associada com o PFL, é precipitada", diz o presidente da UNE, o estudante de jornalismo Gustavo Petta, 24 anos. "Lula deve ser julgado pelo povo em 2006 e não por esse Congresso, que é o foco das investigações e não tem legitimidade para derrubar o presidente."

A UNE, ao lado do Movimento dos Sem-Terra (MST) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT), está à frente da manifestação que vai acontecer em Brasília na terça-feira, para pedir apuração das denúncias, punição dos culpados e reformas. Não vai atacar Lula, mas insistir na tese de que, para sobreviver politicamente, ele precisa se unir aos movimentos sociais e mudar a política econômica.

"A manifestação da UNE é uma fraude: vão apoiar Lula, escondidos atrás de um discurso contra a corrupção", dispara José Erinaldo Oliveira Júnior, 28 anos, da Universidade Federal de São Carlos e ligado ao PSTU. Ele vai participar de outra manifestação, na quarta-feira, também em Brasília, para pedir apuração completa dos casos de corrupção, sem poupar Lula. "Mas não vamos apresentar em Brasília a palavra de ordem 'fora Lula', porque há setores dos movimentos sindical e estudantil que temem derrubar este governo, com medo do que pode vir depois dele."

Há mais tendências, outras formas de ver a crise além dos limites da Juventude Socialista e do PSTU. O que parece unânime por enquanto é a disposição para discutir e se manifestar.