Título: Israel inicia retirada histórica de Gaza
Autor: Maria Teresa de Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Internacional, p. A18

GUSH KATIF, FAIXA DE GAZA - Amanhã, segunda-feira, perto de 40 mil policiais e soldados do Exército de Israel entrarão nas colônias judaicas de Kfar Darom e Netzarim, na Faixa de Gaza, com a tradicional saudação de paz (Shalom), mas desta vez a missão será dar um aviso prévio aos 1.200 moradores: se não deixarem voluntariamente suas casas em 48 horas, serão retirados à força a partir de quarta-feira. E se não cumprirem a ordem, perderão cerca de um terço da indenização que o governo pagará por suas propriedades. Ao todo, serão removidos quase 9,5 mil colonos da Faixa de Gaza e de quatro pequenos assentamentos no norte da Cisjordânia, em quatro fases que durarão de três a quatro semanas. Depois, o Exército desmantelará em quase um mês suas bases e postos militares e entregará o controle da Faixa de Gaza à Autoridade Palestina (AP), em data ainda não fixada.

Este é o começo de um plano de retirada que dividiu profundamente a população de Israel e o início de uma nova etapa no processo de paz entre israelenses e palestinos. Pela primeira vez desde a Guerra dos Seis Dias, em 1967, Israel vai sair totalmente de um território que os palestinos reivindicam para formar parte de seu Estado.

A Faixa de Gaza é uma das áreas mais conflituosas na região. As 21 colônias judaicas ocupam cerca de um quarto dos 360 quilômetros quadrados do território, habitado por quase 1,4 milhão de árabes, na grande maioria refugiados que tinham casas e terras no atual Estado de Israel e perderam tudo em sucessivas guerras. Já os colonos, na maior parte ultranacionalistas e religiosos, dizem que esta é parte da Terra Prometida por Deus aos judeus e se sentem traídos pelo primeiro-ministro Ariel Sharon, um dos principais promotores da colonização judaica dos territórios ocupados por Israel em 1967.

A tensão aumentou muito depois que um soldado israelense, que desertara por não aceitar a saída da Faixa de Gaza, matou a tiros na semana retrasada quatro árabes israelenses num ônibus no norte do país. Autoridades dos dois lados temem a violência de extremistas. Ativistas da extrema direita israelense, ligados a grupos religiosos radicais que consideram a Faixa de Gaza parte da terra bíblica de Israel, estão dispostos a confrontar o Exército. Um grande número se infiltrou nas colônias nas últimas semanas e há também os que farão de tudo para impedir a chegada das tropas e policiais. Esses pretendem bloquear estradas.

A história recente de toda essa região tem como ponto de partida a guerra de 1967, quando Israel ocupou Jerusalém Oriental (a parte árabe da cidade) e a Cisjordânia, então sob controle da Jordânia, a península egípcia do Sinai, as colinas sírias do Golan e a Faixa de Gaza, que era administrada pelo Egito. Israel devolveu o Sinai ao Egito após o acordo de paz de 1979 e os colonos judeus ali instalados foram removidos em 1982.

A colonização dos territórios ocupados é considerada ilegal pela ONU. Poucos são os países que reconhecem Jerusalém como capital de Israel (o Brasil mantém sua embaixada em Tel-Aviv). No entanto, os assentamentos judaicos continuaram se expandindo na parte árabe de Jerusalém, na Faixa de Gaza e na Cisjordânia, que em Israel é chamada pelos nomes bíblicos de Judéia e Samaria. Há 120 colônias na Cisjordânia, com 240 mil moradores. Sharon decidiu remover apenas 4 delas, com apenas 670 habitantes e situadas numa área isolada.

Depois do fracasso das negociações de paz de Camp David (EUA), em 2000, e o início da intifada em setembro desse ano, o conflito recrudesceu e as várias tentativas de retomar o processo de paz pouco avançaram. Foi então que em 2004 Sharon surpreendeu seu partido, o direitista Likud, e seus aliados entre os colonos com o anúncio do chamado Plano de Desengajamento, que estabelece a atual retirada. Esse projeto inclui medidas para aumentar a separação entre palestinos e israelenses, como a finalização do muro que Israel constrói ao longo da fronteira com a Cisjordânia, adentrando em várias partes território árabe.

Sharon deixou claro em várias ocasiões que quer sair da Faixa de Gaza, território historicamente não importante para Israel, para reforçar a presença na Cisjordânia. No entanto, seu vice-primeiro-ministro, Ehud Olmert, afirmou semana passada que o governo não tem um plano definido para as colônias na Cisjordânia.