Título: Pai e mãe negligentes, filho-problema
Autor: Renata Cafardo
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/08/2005, Vida&, p. A30

Passar pouco tempo com o filho, não impor regras ou limites, evitar beijos e abraços podem fazer com que as crianças tenham baixa auto-estima, stress, dificuldade de se relacionar socialmente e até depressão. Pesquisas do Núcleo de Análise do Comportamento da Universidade Federal do Paraná (UFPR) mostram como as atitudes de mães e pais influenciam na personalidade e na saúde mental de seus filhos. Desde 2002, aproximadamente 3 mil crianças e adolescentes foram avaliados e opinaram sobre seus pais. Com as respostas, o grupo de psicólogos delimitou quatro perfis de pais: negligentes, participativos, permissivos e autoritários. O mais nocivo ao filho e também o mais freqüente é o negligente.

"O senso comum hoje é que os pais são permissivos demais, contra o autoritarismo de antigamente. Mas eles estão deixando não só de impor regras mas de demonstrar afeto", explica a responsável pelo estudo e coordenadora do núcleo na UFPR, a psicóloga Lidia Weber. Trinta e nove por cento dos filhos deram respostas que indicaram negligência dos pais. E isso não quer dizer maus-tratos nem abandono.

O problema foi constatado a partir de perguntas simples sobre o tempo que passa com o filho, o comportamento com relação à lição de casa, a freqüência de elogios e as regras dentro da família. O pai confuso, que não sabe como agir, que permite quase tudo e raramente dedica parte do dia para ficar com o filho é negligente, segundo os psicólogos responsáveis pela pesquisa.

O estudo mostra que 56,1% das crianças e adolescentes que sofrem de depressão e 73% dos que apresentam indícios de stress têm pais com esse perfil. E só 6% têm boa desenvoltura social.

Além dos quatro perfis dos pais, a pesquisa também compara atitudes pontuais na prática educativa com a personalidade dos filhos. A baixa auto-estima, por exemplo, aparece em 67% das crianças cujos pais impõem poucos limites e regras. A auto-eficácia - o quanto a criança acredita ser capaz de fazer - é prejudicada também em 43% das que recebem pouco elogio.

"Os pais sempre acham que estão acertando e os problemáticos são os filhos", diz a funcionária pública Vera Lúcia Alves, mãe de uma menina de 8 anos e que procurou a ajuda do núcleo da UFPR. "Eu dava sermões intermináveis, não controlava minhas emoções e os conflitos eram freqüentes em casa", conta. A pesquisa mostra que quase 50% dos filhos que recebem excesso de punições inadequadas têm indícios de stress.

REGRA E AFETO

As respostas das crianças e dos adolescentes à UFPR mostram ainda que 34% dos pais são participativos. Eles impõem regras, mas também dão muito afeto e são considerados os mais adequados. A auto-eficácia e a auto-estima elevadas são características de 75% e 63% dos filhos que têm pais com esse perfil. Cinqüenta e quatro por cento deles são otimistas. Esses pais e mães não só participam muito da vida do filho, como consideram sua opinião, valorizam seu desempenho escolar e comunicam os limites com objetividade.

Outros 15% das crianças convivem com pais permissivos e, embora tenham dificuldade em lidar com frustrações e regras, apresentam o mais baixo índice de depressão (3,5%) e o segundo melhor em auto-estima elevada (21%). "Isso acontece porque ela é mimada demais, recebe muito afeto", diz Lidia.

Paulo (nome fictício), de 8 anos, um garoto de classe média alta paulistana, conta que a mãe tem dificuldade em manter os limites predeterminados por ela mesma. "Às vezes ela inventa que posso ver só um programa na TV, mas nunca dá certo. Acabo vendo dois, três", percebe Paulo. Segundo a psicóloga, pais permissivos têm maior freqüência de filhos com envolvimento com drogas no futuro.

O menor grupo é o de pais autoritários, identificados por meio das respostas de 12% das crianças. As maiores faltas são de afeto e envolvimento. "Queria que meu pai ficasse mais tempo comigo. Quando ele chega do trabalho, já estou dormindo", diz Ana (nome fictício), de 9 anos, deixando clara a maior presença da mãe. Os resultados indicam que a participação da mulher na educação dos filhos ainda é maior que a dos homens. E são deles que as crianças reclamam mais: 20,6% queriam ter mais atenção dos pais, enquanto 10% pedem o mesmo da mãe.

"Fazia como meus pais fizeram comigo", conta a dona-de-casa Andréia Regina da Silva Vargas, que tem três filhas. Depois de sessões de terapia, notou que uma das meninas havia se tornado extremamente tímida e com dificuldades em se relacionar socialmente por causa do seu comportamento. "Eu não conseguia ouvi-las, tinha pouca paciência e queria que me obedecessem. Só elogiava quando elas faziam algo muito bom." Com o auxílio profissional, ela tem se esforçado para controlar sua raiva e demonstrar o quanto ama suas filhas - e já tem notado mudanças.

OPINIÃO FIDEDIGNA

A divisão entre os quatro perfis de pais no Brasil é semelhante à identificada por pesquisadores que usam os mesmos critérios em outros países, segundo Lidia. Ela explica que os pais podem mesclar vários tipos de comportamento e que o estudo mostra o estilo predominante. "A gente age diferente com cada filho. Me sinto mais participativo com a menina, que é a menorzinha", completa o advogado Gerson Kerr, que tem dois filhos e uma filha.

O curioso é que os estudos, na maioria dos casos, optam por definir os pais somente segundo o que dizem seus filhos porque os depoimentos das crianças são considerados mais fidedignos. De acordo com Lidia, quando os adultos foram chamados a responder questionários semelhantes, notou-se que a percepção do filho com relação a eles era diferente das suas auto-avaliações. Os pais e mães, em geral, se achavam melhores. "Os resultados mostram que talvez as necessidades das crianças não estejam sendo atendidas", diz a psicóloga da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), Renata Aleotti.

A educadora Myriam Tricate, que convive há 35 anos com os pais de seus alunos no Colégio Magno, em São Paulo, relata fatos de permissividade freqüentes, mas não acredita em negligência da maior parte deles. Segundo ela, há mães que não conseguem nem sequer vestir o uniforme da criança e a levam para a escola de pijama ou outras que não limitam o horário para voltar para a casa para que o filho não "pague mico".

"Eles têm muita dificuldade em interferir, de criar conflitos, mas acho que a razão é mais medo e falta de preparo do que negligência", diz a educadora.

Para ela, hoje os pais são bem mais participativos do que há 20 anos, mas, muitas vezes, delegam a atribuição de limites aos professores. "Se a maioria dos pais fosse negligente, iríamos enlouquecer na escola", acredita.