Título: Ficou devendo
Autor: CELSO MING
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2005, Economia & Negócios, p. B2

O pronunciamento que o presidente Lula fez ontem poderia ter sido pior. Teria sido pior, por exemplo, se insistisse em colocar-se como vítima de uma conspiração das elites. De qualquer maneira, foi um discurso lamentável. Foi feito por quem parece não ter noção de que sua eleição foi financiada com recursos ilegais, acobertados por vários crimes. E de que a legitimidade do seu mandato e o do seu vice, José Alencar - cuja campanha foi financiada pelo mesmo pacote de recursos - pode ser questionada. Deixou a impressão de que entende que a crise é do sistema partidário e não do seu governo.

Se o próprio presidente do PT, Tarso Genro, afirmou aos correspondentes da imprensa estrangeira que o discurso "foi insuficiente", pode-se ter boa idéia da falta de noção de realidade do presidente Lula.

Ele afirmou que foi traído, mas não disse por quem. Disse apenas que foi "por práticas inaceitáveis". Se são inaceitáveis, têm de ser denunciados, tanto as práticas como quem as cometeu. Por que não o fez?

Lula disse também que está indignado. Mas não disse por que, nem com quem.

Disse que a Polícia Federal, portanto o próprio governo, está contribuindo decisivamente para esclarecer os fatos. Se está tão bem servido de informações, por que alega que nunca teve conhecimento do que aconteceu?

Se o presidente Lula está convencido de que o PT deve desculpas ao País, então tem conhecimento das práticas inaceitáveis do seu partido. Nesse caso, não basta sugerir pedido de desculpas. É preciso responsabilizar os culpados. E, no entanto, na última reunião do seu Diretório, o PT não foi capaz nem sequer de punir os filiados que já confessaram crimes eleitorais e fiscais graves. Nessas condições, o PT vai pedir desculpas de quê?

Se, finalmente, é preciso uma reforma política, espera-se que o presidente da República diga qual é a proposta e o que fazer para que seja aprovada a tempo de garantir eleições limpas em 2006. Enfim, faltou conteúdo, proporção e conseqüência a esse discurso.

A primeira parte foi dedicada ao sucesso da política econômica: à derrubada da inflação; ao aumento da produção industrial; ao fantástico comportamento das exportações; ao aumento do emprego; ao melhor ambiente para os investimentos; e "à revolução em marcha no mercado de consumo popular". São resultados inquestionáveis. Sintomaticamente, o presidente não pôde acrescentar a essa lista de bons desempenhos nenhuma iniciativa na área social, nem o tão badalado programa Fome Zero.

Ao enumerar as vitórias na área econômica, Lula pareceu brandir a ameaça do caos e a perda dessas conquistas se a oposição insistir em tirar-lhe chão sob seus pés: "É obrigação do governo (...) não permitir que esta crise política possa trazer problema para a economia."

No entanto, haverá, sim, perda de substância dos fundamentos econômicos se o governo continuar sem rumo e sem condições políticas de impor as melhores soluções para os gargalos da economia.

Se não tiver força para aprovar um salário mínimo condizente com as reais condições do orçamento do setor público; se não tiver força para escolher um gerenciador para o Fundo Garantidor das PPPs; e se não tiver pulso para manter a disciplina fiscal - não haverá o que consiga assegurar o êxito de que o presidente Lula está se vangloriando, com méritos inegáveis.

O presidente da República deve à sociedade mais satisfações do que as que ontem foi capaz de dar.