Título: Nova arma contra câncer de esôfago
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2005, Vida&, p. A20

Estudo de brasileiros, que é capa de revista científica internacional, pode facilitar o diagnóstico precoce da doença

Pesquisadores brasileiros descobriram que a origem do câncer de esôfago não está necessariamente no esôfago. As raízes do tumor, segundo um estudo envolvendo mais de 70 pacientes, podem estar fincadas mais abaixo, na boca do estômago, em uma região conhecida como cárdia. A diferença é sutil, de poucos centímetros, mas pode significar a diferença entre a vida e a morte - ou entre um leito de hospital e a mesa de cirurgia - quando se trata de fazer o diagnóstico precoce, principal arma contra o câncer. A pesquisa está na capa da próxima edição da revista Cancer Research, a mais importante publicação científica para o estudo do câncer. Quem assina são pesquisadores do Hospital do Câncer, Instituto Ludwig e Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo (USP). É a segunda vez em um ano e meio que a equipe ganha a capa da revista. A primeira foi em fevereiro de 2004 com um estudo sobre câncer de estômago.

Dando continuidade ao trabalho no aparelho digestivo, os cientistas resolveram olhar um pouco mais acima, para o adenocarcinoma de esôfago - um dos dois tipos de tumor que atacam o órgão e cuja incidência vem aumentando nos países desenvolvidos. Eles examinaram os genes das células tumorais e descobriram que a configuração deles se assemelha muito mais à expressão de células do estômago do que do esôfago.

"O que isso nos diz é que talvez o tumor não se origine no esôfago, mas na mucosa da cárdia, e depois migre para cima", diz o coordenador da pesquisa, Luiz Fernando Lima Reis, do Ludwig e Hospital do Câncer.

"Se isso for verdade e quisermos fazer o diagnóstico precoce, não adianta só fazer a biópsia do esôfago; é preciso olhar também para a cárdia", explica o médico André Montagnini, do hospital. Dessa forma, seria possível detectar o câncer ainda em seu estágio inicial, antes do tumor subir para o esôfago.

O adenocarcinoma de esôfago está tradicionalmente associado a uma condição chamada esôfago de Barrett, que por sua vez está associada ao refluxo crônico, principal doença do aparelho digestivo nas populações ocidentais. A irritação causada pelo refluxo do suco gástrico faz com que as células do esôfago se transformem. Elas assumem um formato mais resistente, parecida com o das células do intestino - processo chamado metaplasia intestinal.

Com isso, formam uma espécie de couraça, que diminui a irritação causada pelo refluxo. O mesmo ocorre na cárdia, que, apesar de fazer parte do estômago, tem células menos resistentes ao suco gástrico.

MARCADOR DE RISCO

Até agora, acreditava-se que o adenocarcinoma se originava nas células alteradas do esôfago de Barrett. Por isso os portadores se submetem a endoscopias e biópsias rotineiras. Quando um tumor é detectado, entretanto, costuma estar em estágio avançado. Nos casos graves, todo o esôfago é retirado e substituído por um tubo feito com tecido do estômago.

Pelo estudo brasileiro, o esôfago de Barrett deixaria de ser um fator de risco por conta própria e passaria a servir como um marcador de risco relacionado ao refluxo - indicando que o paciente seja examinado. "Podemos adotar uma atitude mais agressiva em casos de refluxo forte", aponta Rubens Sallum, especialista do hospital.