Título: 'Fósseis nos deram a dimensão do tempo'
Autor: Clarissa Thomé
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2005, Vida&, p. A19

Para Paul Sereno, da National Geographic, percepção de que o mundo tem bilhões de anos mudou a forma como o apreciamos

O americano Paul Sereno, um dos mais conhecidos paleontólogos do mundo, diz que o Brasil dá pouca atenção aos dinossauros. Mas não por falta de interesse dos brasileiros. "Existem pouquíssimos museus aqui, neste país tão grande. E percebo que os brasileiros amam a história de sua área e, portanto, querem museus", constata. Sereno, de 47 anos, veio ao Brasil participar do 2º Congresso Latino-Americano de Paleontologia de Vertebrados, que terminou ontem, no Rio. Ele já esteve no País em 1996, em expedições no Pantanal e no Nordeste.

O americano é professor da Universidade de Chicago e pesquisador do grupo National Geographic. Está entre os principais descobridores de fósseis da atualidade. Já encontrou espécies novas na América, na África e na Ásia. Foi quem achou, no Deserto do Saara, o chamado Supercroc, um dos maiores crocodilos que já existiram na Terra.

Na entrevista a seguir, o paleontólogo criticou o presidente de seu país, George W. Bush, por defender que se ensine nas escolas a teoria religiosa da criação da vida, e não a teoria evolucionista, científica. "Bush não está nem um pouco preocupado com a ciência."

Por que é importante investir em pesquisas sobre animais que não existem mais?

Acho que os fósseis acabaram dando aos humanos a quarta dimensão, a dimensão do tempo. Isso mudou completamente a forma de vermos o mundo. Se achamos que vivemos num mundo que tem cem ou mil anos, não temos a devida preocupação. O mundo é jovem e fazemos o que bem entendemos: poluição, efeito estufa, destruição da camada de ozônio. Mas quando sabemos que ele tem bilhões de anos, percebemos que as criaturas são frágeis, vêm e vão, desaparecem e nunca mais voltam a ser vistas. Passamos a apreciar o mundo de uma forma nova. Essa é a razão mais profunda para continuarmos pesquisando sobre o passado. Além disso, as pessoas - principalmente as crianças - sempre amaram os dinossauros. O homem tem uma curiosidade natural sobre o mundo. Sem esse tipo de exploração, o mundo seria entediante.

Você acha que o Brasil tem uma boa relação com a paleontologia?

Acho que o Brasil precisa dar mais apoio à paleontologia. Existem pouquíssimos museus aqui, neste país tão grande. E percebo que os brasileiros amam a história de sua área e, portanto, querem museus. Basta ver quantas pessoas, principalmente jovens, vieram acompanhar este congresso. A situação do Brasil é parecida com a da Argentina, que tem uma riqueza muito grande de fósseis, mas a população não tem como ver essas preciosidades. Museus também atraem muita gente de fora e criam trabalho.

Até quando haverá animais extintos a serem descobertos?

As descobertas de fósseis estão ocorrendo com cada vez mais velocidade. Até quando vamos continuar encontrando coisas novas? Ninguém pode dizer com precisão. Nos Estados Unidos, existem muitas descobertas de dinossauros todos os anos. E creio que isso vai continuar por muito, muito tempo.

Como você vê o fato de o presidente dos Estados Unidos, George W. Bush, defender que se ensine a teoria do criacionismo nas escolas?

Não concordo com o presidente Bush em nada, em absolutamente nada. Sua idéia de ensinar aos estudantes o criacionismo, e não o evolucionismo, é retrógrada. Muitos cientistas americanos, como eu, estão envergonhados disso. No meu país, temos um grupo religioso fundamentalista que lê a Bíblia literalmente, tem um entendimento extremamente simplista do mundo e ainda crê que a Terra é o centro do universo. Isso é ruim para a ciência. Os protestantes fundamentalistas jamais aceitariam se eu fizesse a proposta contrária: por que as igrejas não ensinam ciência aos domingos? Bush, preocupado com suas posições políticas, está incentivando essas pessoas. Ele gosta de tomar decisões estúpidas, como começar uma guerra no Iraque e dificultar a entrada de estrangeiros nos EUA. Neste último caso, ele acabou obrigando outros países, como o Brasil, a responder da mesma maneira. Na primeira vez que vim para cá, em 1996, foi muito fácil conseguir o visto. Agora o consulado brasileiro fez milhares de exigências, pediu carta de recomendação da universidade onde sou professor e até atestado de antecedentes criminais. Como eu não tinha tempo para conseguir a papelada, achei melhor dizer que viria como turista, não para um congresso científico. Nunca vi nada parecido em nenhum outro país do mundo. Não tenho simplesmente nada de bom a dizer sobre o presidente Bush.