Título: 'Vila dos traidores' vive o medo do acerto de contas
Autor: Greg Myre
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2005, Internacional, p. A17

Estigma de colaboracionistas paira sobre palestinos de Dahaniya

GUSH KATIF, FAIXA DE GAZA - A maioria dos habitantes de Dahaniya diz que nunca contou nada aos israelenses. Os israelenses concordam, mas isso não ajudou a melhorar a reputação de "vila dos traidores" do pequeno enclave árabe no fundo da Faixa de Gaza, cercado por arame farpado e guardada por soldados. Até agora, as 65 famílias de Dahaniya não se importavam com o estigma e as ameaças ocasionais, sabendo que viviam uma vida privilegiada em Gaza para quem é árabe, com permissão para trabalhar em Israel e em funções regulares.

Mas nos próximos dias, os moradores de Dahaniya, como milhares de colonos judeus que vivem nas proximidades, serão obrigados a sair de suas casas antes que seu assentamento seja apagado como parte da retirada do governo israelense da Faixa de Gaza.

Ao contrário dos colonos, muitos dos que vivem em Dahaniya não receberão novas casas em Israel. Em vez disso, o governo quer que mudem para cidades palestinas em Gaza - onde temem que o estigma de "colaboracionistas" fará com que sejam linchados.

"Eles serão massacrados por estarem ligados a Dahaniya", diz Yarom Melman, advogado das famílias do povoado. "O Exército de Israel usou-os em sua guerra contra os palestinos. Apenas uma minoria delescolaborou com Israel, mas todos em Dahaniya ficaram marcados como traidores. Israel deveria dar-lhes um futuro no país." O povoado foi fundado 30 anos atrás por beduínos egípcios como parte de uma troca de terras com Israel, operação vista por outros árabes já como indício de colaboracionismo. O acordo de paz entre Israel e Egito sete anos mais tarde obrigou os moradores a decidirem entre Gaza e Egito.

Alguns partiram e nos anos seguintes o Exército israelense usou suas casas eus lares abandonadas para abrigar colaboracionistas que ajudaram os israelenses contra o Egito durante a primeira intifada.

Entre eles estava Hussein Shtiwe, que trabalhou com o Exército israelense nas guerras de 1967 e 1973 contra o Egito. Seus netos vivem em Dahaniya hoje e não se envergonham. "Foram meu avô e meu pai que ajudaram Israel. Por que eu teria que pagar pelo que fizeram?", diz Abed Shtiwe, que está à frente da campanha para que os habitantes do povoado sejam transferidos para Israel. "Somos israelenses, de todo modo. Falamos hebraico e trabalhamos em Israel. Deveríamos ter permissão para morar em Israel." Outro neto, Massad Shtiwe, diz que seu avô fez a coisa certa ao tentar acabar com a briga entre árabes e judeus. "Quero viver em Israel e ser um bom israelense. Se isso significa que tenho de ajudar o Exército israelense, isso é o que vou fazer", diz ele. "Se nos mandarem morar com os palestinos, todos seremos mortos, com certeza." Fotos de Hussein Shtiwe ao lado de oficiais do Exército israelense são expostas orgulhosamente nas casas de vários membros da extensa família.

Os homens de Dahaniya trabalharam em Israel por salários muitas vezes maiores do que em Gaza, mas a vida era muito isolada por trás dos arames farpados e armas, e a suspeita dos habitantes se transformou em hostilidade depois que os palestinos ganharam u m grau de autonomia no início dos anos 1990.

Dez anos atrás, Salima Rmeilat saiu do povoado para comprar remédio perto da cidade palestina de Rafah. Foi presa como suspeita de colaboracionismo e só saiu um mês mais tarde, por pressão israelense. Os moradores de Dahaniya pararam de visitar Rafah.

O ministro palestino do Interior diz que se os moradores de Dahaniya forem obrigado a continuar na Faixa de Gaza serão presumidos inocentes até que um exame caso a caso prove o contrário.