Título: 'A porta se abre para a negociação'
Autor: Maria Teresa de Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2005, Internacional, p. A16

Ex-negociador israelense acredita que retirada cria ambiente para a paz

Gilead Sher conhece como poucos as dificuldades para se atingir um acordo de paz no Oriente Médio. Sher foi o coordenador político do governo israelense que atuou nas negociações de paz com os palestinos de 1999 a 2001. Mesmo fora do atual governo, ajudou a preparar um documento que propôs a retirada da Faixa de Gaza e de quatro assentamentos na Cisjordânia. Embora apóie a saída unilateral dos assentamentos, como advogado, defende os interesses de vários colonos. Recentemente, Sher lançou o livro Just Beyond Reach - The Israeli-Palestinian Peace Negotiations 1999-2001, a Testimony (em uma tradução livre, Quase ao Alcance da Mão - As Negociações de Paz entre Israelenses e Palestinos 1999-2001, um Testemunho). De seu escritório em Tel-Aviv, Sher conversou por telefone com o Estado sobre as dificuldades da retirada. O sr. considera a remoção dos colonos legal e moralmente correta?

Sim, é uma ação absolutamente legal. A legislação que determinou a retirada é muito detalhada sobre a realocação e indenizações, respeita o direito à propriedade e direitos civis dos colonos, tanto do ponto de vista individual e das comunidades. A decisão do governo é moral, legítima e correta sob vários pontos de vista. Respeita os valores fundamentais do Estado judeu democrata e as linhas gerais do sionismo. O governo tem o direito e até o dever de garantir às gerações futuras a segurança do Estado de Israel.

A compensação que os colonos estão recebendo é justa?

Há algumas modificações pontuais que gostaria de ver na legislação, especialmente para negócios e indústrias. Mas, de forma geral, ela é bastante justa. Os legisladores estudaram modelos de indenizações usados em outros lugares do mundo e montaram um bom esquema de compensações.

Como convencer um colono de que ele deve sair depois de ter sido levado para lá pelo Estado israelense? Esse é um drama pessoal extremamente difícil de se resolver. Minha firma de advocacia representa várias das famílias que estão sendo deslocadas, então estou diariamente em contato com eles. Algumas dessas famílias já haviam sido desalojadas de assentamentos na Península do Sinai em 1982. Eles estão passando por um trauma que não sei se vão superar. Porém, ao mesmo tempo, é a ação correta quando se olha de uma perspectiva nacional. A retirada é uma decisão dolorosa, mas necessária.

A devolução desses territórios, apenas uma parte da área ocupada em 1967, é um compromisso real de Israel com o processo de paz ou apenas uma iniciativa para satisfazer às pressões internacionais?

Desde os estágios iniciais no processo da negociação da paz, no início dos anos 90, Israel tem demonstrado seu comprometimento com uma visão clara de que a solução para o conflito é a convivência dos dois Estados: Israel e Palestina. Infelizmente, o que recebemos em retorno foi sofrimento, ataques a civis, lideranças palestinas que não responderam às propostas feitas. Nós não temos um parceiro palestino que possa chegar a um compromisso histórico conosco. Então precisamos tomar medidas unilaterais - a retirada da Faixa de Gaza - como forma de parar o processo de violência. Com as fronteiras provisórias que serão criadas desta ação, a porta se abre para negociações mais uma vez.

Israel exige que a Autoridade Palestina combata o terrorismo, mas, ao mesmo tempo, impede que os palestinos tenham condições para realizar essa tarefa. Como combater os extremistas palestinos sem ter as condições? Como combater os extremistas sem um Estado estabelecido?

Reconheço que há contradições, mas o principal não é isso. A grande pergunta é: a liderança palestina está pronta para um acordo sobre os temas cruciais como refugiados, assentamentos, fronteiras e segurança? Se encontrarmos uma liderança palestina confiável, que tenha o poder e a vontade de negociar um acordo permanente, poder e vontade para depois implementá-lo, será diferente. Israel partirá para o caminho da negociação com esse líder. Precisamos ter certeza que, uma vez que entremos em negociações, ninguém vai desistir do processo no meio do caminho. Também é crucial saber se esse líder fará todo o necessário para combater o terrorismo.

O senhor está dizendo que não confia em Mahamoud Abbas, o presidente da Autoridade Palestina?

Não é uma questão de confiança pessoal - conheço Abbas, estive com ele quando era negociador em Camp David e outras rodadas de conversas, tenho respeito por ele. Porém, há muitos elementos sobrepostos na questão - a comunidade internacional, os egípcios, a reação da sociedade civil e das forças de segurança palestinas.

Abbas é melhor para as negociações de paz que Yasser Arafat?

Não cabe a mim julgar. E não é fácil dizer que esta ou aquela pessoa é responsável pelo sucesso ou resultado ruim em qualquer tipo de acordo. Mas hoje não há mais espaço para o que acontecia na época de Arafat. De um lado, líderes perpetravam o terrorismo, de outro negociavam a paz. Hoje, ao menos, há mais esperança.

O sr acredita que desta vez o conflito está se encaminhando para uma solução?

Acho que sim. Sempre tive esperanças. De outra forma não teria dedicado tanto esforço para atingir a paz. Não estou mais no governo, mas participei da formulação de uma proposta ao governo para retirada unilateral. Acho que é o melhor que já fizemos, apesar de doloroso. Há esperanças de que a força daqueles palestinos que procuram a paz, que são a maioria, vencerá o terrorismo e os grupos extremistas como o Hamas.