Título: Pesado e ineficiente
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 16/08/2005, Notas e Informações, p. A3

O Brasil que produz suportou no ano passado uma carga tributária recorde, recolhendo aos cofres do governo, em todos os níveis, 35,91% do Produto Interno Bruto (PIB), isto é, do valor final dos bens e serviços gerados em todos os setores da economia nacional. Neste ano, a tributação federal tem continuado a crescer mais velozmente que a economia. Até julho, a arrecadação do Tesouro Nacional foi 6,09% maior que a de um ano antes. Apesar de algum esforço de contenção de gastos, o ajuste das contas públicas continuou a depender fortemente em 2004, e talvez dependa ainda neste ano, do aumento do valor recolhido pelos governos da União, dos Estados e dos municípios. Em São Paulo, até julho, a receita de impostos foi 3,9% superior à dos mesmos sete meses de 2004, descontada a inflação. A arrecadação só não se expandiu mais porque o crescimento econômico ainda está sendo puxado pela exportação, que é menos tributada que as operações internas.

O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, mencionou várias vezes o compromisso de reduzir a carga tributária. Em 2003 o peso dos impostos e contribuições, 34,9% do PIB, foi ligeiramente menor que o do último ano do governo anterior, 35,61%. Mas a promessa não se confirmou em 2004 e nada garante, por enquanto, que volte a ser cumprida neste ano e no próximo, quando a pressão por maiores gastos, em todos os níveis da administração pública, será maior.

Apesar das boas intenções anunciadas e repetidas pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, a qualidade do ajuste fiscal continua muito insatisfatória sob dois aspectos. O primeiro é o peso da tributação. Para obter um bom ajuste, o governo deveria empenhar-se principalmente na contenção dos gastos públicos.

Os números oficiais mostram que o aumento da arrecadação ainda tem papel importante na obtenção do superávit primário, isto é, do resultado fiscal positivo calculado sem o pagamento de juros e de parcelas da dívida pública.

O outro aspecto é a qualidade da economia realizada pelo governo. Os cortes de gastos atingem principalmente os investimentos públicos. O ajuste realizado até agora é incompatível, portanto, com a necessidade urgente de aplicação de mais dinheiro em obras de infra-estrutura, como a recuperação de estradas, e em programas de significado social.

O governo, portanto, tem continuado a aumentar seus gastos e a gastar mal. Em 2003, as despesas primárias do governo central corresponderam a 16,67% do PIB. Em 2004 chegaram a 17,36%.

O aumento de arrecadação tem servido não só para permitir um superávit primário da ordem de 4,5% do PIB, mas também para cobrir gastos crescentes com a manutenção da máquina administrativa e com a Previdência.

"É muito fácil criticar. Difícil é mostrar como reduzir de maneira significativa o custeio fixo da União", disse o secretário-adjunto da Receita Federal, Ricardo Pinheiro. O que ele diz é verdade, mas é função do governo enfrentar as dificuldades e é legítimo cobrar das autoridades esse esforço. Reconhecer a dificuldade não implica aceitar a permanência do que é ruim.

Pelo menos três fatores dificultam a elevação da qualidade do gasto público. O mais difícil de remover é a vinculação de verbas. A mudança, nesse caso, depende de mudança constitucional. O segundo é a resistência dos políticos e dos grupos de interesse que em grande parte comandam a elaboração e a execução dos orçamentos. O terceiro é a inércia da administração pública. Como não há cobrança de resultados, ninguém é punido por fazer com 10 pessoas o que podia fazer com 5 ou por levar 6 meses para entregar um resultado que poderia ser obtido em 3.

Os contribuintes habitualmente criticam o governo pelos impostos cobrados, mas não pelo resultado pífio de sua atividade. Mesmo quando percebem que algo vai mal, dificilmente cobram melhores padrões administrativos e quem cobra ainda se arrisca a ser tachado de reacionário e inimigo do funcionalismo. Parte da força eleitoral do PT foi conquistada com a defesa dos mais injustificáveis interesses corporativos da administração pública.