Título: Rediscutindo a dívida da Previdência
Autor: Paulo César de Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Espaço Aberto, p. A2

A dívida da Previdência não é de R$ 80 bilhões, como anunciou o Ministério. Nem de R$ 120 bilhões, como noticiou jornal de circulação nacional. Na realidade, a dívida passa dos R$ 220 bilhões, quase US$ 100 bilhões, dinheiro aqui, no Haiti, em Cuba, na União Européia, na Venezuela e nos EUA. Os R$ 80 ou R$ 120 bilhões - a diferença é grande, o que prejudica a informação - seriam a dívida ativa ou dívida judicial. Há outra dívida imensa, a administrativa, que deve estar por volta de R$ 100 bilhões/R$ 120 bilhões.

Esse tipo de notícia produz duas sensações. Uma, agradável: a dívida reduziu-se porque a Previdência cobrou. Falso. A outra, desagradável: estão sumindo com a dívida ou, como dizia o ex-ministro Amir Lando, estão apagando a dívida. Também falso.

É desorganização da Previdência, mesmo. Para auditores ou procuradores, descontentados do mundo, tanto faz R$ 50,80 bilhões, R$ 120 bilhões ou R$ 220 bilhões. Cresceram com a dívida e já se convenceram de que é ela incobrável. Com eles concordam os devedores, mais conhecidos por caloteiros, com poderosos aliados no Executivo, que lhes dão Refis todos os anos - reduzindo os encargos -, no Congresso, que pressionam e aprovam - especialmente às vésperas de eleições - os pacotes de renegociação e rolagem do calote, e no Judiciário, que lhes extinguem os débitos. Francamente, é um jogo perverso do crime organizado contra o País, a Previdência, os 32 milhões de contribuintes, os 23 milhões de aposentados, as gerações futuras, o pacto de gerações.

Há um pacto de incompetência, pois auditores e procuradores fingem que cobram e os empresários fingem que pagam!

Há necessidade de a Previdência, o Tribunal de Contas da União (TCU), a Advocacia-Geral da União, o Tesouro Nacional unificarem os dados sobre as dívidas da Previdência, da Receita e do FGTS, para que haja um mínimo de transparência na dívida administrativa e judicial. Há vários números sendo divulgados, confundindo, mentindo, enganando. Nós, da ANASPS, identificamos esta dificuldade de apuração de dados confiáveis.

O fato é que, historicamente, a dívida cresce ano a ano apenas porque novos devedores nela embarcam. Principalmente porque a dívida é nominalmente corrigida, para desespero da Receita Previdenciária. Além do que a dívida também cresce por duas outras razões inerciais: não se fiscaliza e não se cobra. E, quando se cobra, se cobra mal.

O mais importante: 90% das empresas brasileiras recolhem praticamente em dia a contribuição previdenciária. Os outros 5% não pagam, pois gozam do beneplácito do calote e da impunidade. Outros 5% correm atrás de renúncias.

Dizia-se que não havia ordenamento legal para a cobrança. Mudou-se o Código Penal, mas continuou não se cobrando. Não há notícia de que haja um caloteiro preso.

Para uma receita de R$ 110 bilhões este ano, acredita-se, com base em estimativa de técnicos da Câmara dos Deputados, que a sonegação será de R$ 44 bilhões, 40%. O TCU já fez medição histórica da sonegação e apontou outro índice, menos dramático, 30%, ou seja, R$ 30 bilhões. Não há como suportar esta sangria. Em 30 meses do governo do PT, rigorosamente nada foi feito para combater a sonegação ou para cobrar com um mínimo de eficiência a dívida.

Na realidade, a receita previdenciária cresce quando a massa salarial cresce. Acontece que a massa salarial não tem crescido. Ao final de 2002, o Regime Geral de Previdência Social contava com 28,2 milhões de contribuintes, dos quais 21,7 milhões eram empregados. Ao final de 2003, tínhamos 30,2 milhões de contribuintes, dos quais 22,7 milhões eram empregados. Ainda não temos os números do final de 2004.

Também é verdadeira a observação de que o eixo de formação da receita previdenciária mudou. Em janeiro de 2004 a agricultura contribuía com 1,81%, a indústria, com 34,34% e os serviços, 63,64%. Em janeiro de 2005, o quadro pouco se alterou: a agricultura estava com 1,43%, a indústria, com 36,19% e os serviços, 61,56%.

A Receita e a Procuradoria, lamentavelmente, não estão indo atrás dos devedores e dos sonegadores. Vão atrás dos que pagam. Os maiores sonegadores, além dos já inscritos nas dívidas judicial e administrativa, são empresas de terceirização de mão-de-obra, entidades filantrópicas, 10 milhões de empresas do Simples, empresas de segurança, de conservação e limpeza, de informática, de consultoria, bancos, seguradoras, cartões de crédito, prestadores de serviços, transportes urbanos e interurbanos. Há também entes públicos federais, estaduais e municipais, que jamais pagaram suas dívidas de INSS e FGTS, optando pela escala rolante em que rolam na bacia do Tesouro suas dívidas de R$ 350 bilhões (US$ 120 bilhões).

Outros problemas graves que atingem a Previdência:

Renúncia contributiva, especialmente dos trabalhadores rurais, dos empregadores rurais, exportações agrícolas, SuperSimples, filantrópicas, clubes de futebol (R$ 1 bilhão), CPMF;

Descasamento entre as contribuições dos rurais e o pagamento de seus benefícios.

O foco da cobrança está errado: a Previdência sabia que Transbrasil, Vasp, Encol, Mappin, Manchete, Jornal do Brasil e Gazeta Mercantil estavam falindo e não chegou junto. Estes já faliram. Há grandes devedores na fila da falência e a Previdência está longe, como no caso da Varig.

A recuperação de crédito da Receita e na Procuradoria, seja cobrança da dívida ativa ou administrativa, está abaixo de 1%, o que foi considerado pelo TCU absolutamente ridículo. Ou seja, dos R$ 220 bilhões, a Previdência recupera, quando recupera, menos de R$ 2,2 bilhões, e só chega a isso porque inclui na receita o que é transferido pela Justiça do Trabalho a título de recuperação de crédito, quando não é.