Título: Da vanguarda da esquerda ao negócio da meia-entrada
Autor: João Domingos
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Nacional, p. A12

RIO - Uma União Nacional dos Estudantes (UNE) "chapa-branca" não é exatamente novidade para os universitários brasileiros. No início dos anos 60, por exemplo, a UNE apoiou o presidente João Goulart na luta pelas reformas de base, participando do último ato de massa do governo em queda, o Comício da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Eram outros tempos, e a UNE era vanguarda da esquerda, enraizada numa rede universitária, em sua maior parte, pública. Seu presidente era José Serra, militante da esquerdista Ação Popular que hoje, no PSDB, é prefeito de São Paulo e faz oposição ao governo Lula. Mais de 40 anos depois do golpe, com três quartos dos estudantes do Brasil matriculados em faculdades privadas, não é apenas a ideologia que cimenta a aliança entre governo e UNE. A entidade tem na concessão paga de carteirinhas de estudante, que garante meia-entrada em cinemas e programas culturais, um negócio rendoso, garantido em lei.

O PC do B controla a entidade desde sua reconstrução, em 1979 - foi posta na ilegalidade pela ditadura. Em 2005, o partido mostrou sua força mais uma vez: no Congresso em Goiânia reelegeu o presidente da UNE, pela primeira vez nos 68 anos de sua história. No comando da entidade desde julho de 2003, Gustavo Petta, estudante de jornalismo da PUC de Campinas, de 24 anos, tem se equilibrado no apoio a um governo supostamente ligado à esquerda, mas com uma política econômica conservadora e uma ampla aliança com partidos de direita.

Assim, já entregou ao Ministério da Educação manifesto de apoio à reforma universitária e participou de ato contra a política econômica. O ato de ontem foi a continuação desse exercício de equilibrismo político.

"Acho uma posição muito perigosa", disse o cientista político Geraldo Tadeu Moreira, presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social (IBPS). "A UNE corre o risco de se isolar do conjunto dos estudantes. O que temos visto é o contrário: estudantes se mobilizando contra a corrupção e criticando o governo." O pesquisador afirmou que o sentimento de crítica à corrupção e apoio ao governo não é o mesmo da massa dos estudantes. "É muito complicado", declarou. "Tudo indica que a corrupção foi fomentada por pessoas que estão ou estiveram no governo, da confiança do presidente. É muito difícil separar. E, esquecendo a corrupção: o que este governo fez a favor da plataforma de esquerda? A política econômica é de esquerda?"

A história da UNE pode ajudar a entender a aposta do PC do B no apoio ao governo. Em 1992, por exemplo, foram os estudantes caras-pintadas que fizeram a diferença no movimento pelo impeachment do presidente Fernando Collor, numa repetição de campanhas de outras épocas. As de maior destaque, nos anos 40, são a pela criação da Petrobrás e a pela entrada do Brasil na 2.ª Guerra Mundial ao lado dos aliados.