Título: Documento revela esquema de corrupção na Anvisa
Autor: Diego Escosteguy
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Nacional, p. A14

BRASÍLIA - Sob o comando de apadrinhados do PP, funciona na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) um esquema de favorecimento na liberação de produtos farmacêuticos e cirúrgicos. A denúncia é de assessores do PP, donos de empresas do ramo e integrantes da Máfia dos Vampiros, que relataram ao Estado como funciona o suposto esquema. Sob exigência de anonimato, ex-funcionários da agência entregaram à reportagem uma lista detalhada com o controle dos produtos liberados, as empresas beneficiadas e os políticos interessados na liberação. O documento é um inventário minucioso do esquema que funcionaria dentro da Anvisa - agência responsável pela segurança sanitária de produtos farmacêuticos e cirúrgicos. A lista contém o número do processo na agência, nome da empresa, nome do produto, tramitação, político que estaria interessado na demanda e data do pedido. Serviria para orientar os assessores e manter informada a cúpula do PP sobre o andamento dos processos.

A responsável pelo controle é uma assessora de Victor Hugo Travassos, diretor da Anvisa, indicado para o cargo pelo líder do PP, José Janene (PR) - acusado de ser um dos operadores do mensalão e de coordenar esquemas de corrupção em estatais. Travassos continua na Anvisa, mas a assessora saiu em 2004.

A assessora foi nomeada para o posto por Janene, que teria confidenciado a integrantes do esquema sua preocupação com a possibilidade de Travassos fazer negócios por conta própria. A função da assessora seria justamente manter vigilância sobre os negócios em andamento, mapeando o encaminhamento dos pedidos e entregando a lista ao deputado.

O mapeamento feito pela assessora revela que a suspeita de Janene estava certa. Políticos sem ligação com o PP teriam tentado burlar o esquema e influenciar na aprovação de produtos. No inventário, aparecem os deputados Cabo Júlio (PMDB-MG) e Almir Sá (PL-RR), além da "liderança do PMDB". Segundo um assessor do PP, o registro é referência ao deputado José Borba (PMDB-PR), líder do partido até ser envolvido nas denúncias do mensalão. Borba teria encaminhado o pedido em 19 de março do ano passado.

GENU

Um assessor próximo a Janene conta que o principal operador do favorecimento na liberação de produtos é João Cláudio Genu, chefe de gabinete do deputado. "Ele ia na jugular das empresas", afirma. Genu também seria o responsável pela logística do mensalão dentro do PP e sacou R$ 4,1 milhões das contas do empresário Marcos Valério Fernandes de Souza.

Genu controlaria o andamento de 68 processos da lista, envolvendo 11 empresas e muitos tipos de produtos - de porta-algodão a laser para urologia. Os números dos processos mostram que quase todos foram liberados pela Anvisa. Para controle dos operadores, os produtos supostamente sob a responsabilidade de Genu estão destacados, indicando que teriam prioridade sobre os demais.

Um ex-funcionário do PP acusa Genu de achacar as empresas do ramo tanto para liberar seus produtos quanto para reter a aprovação de produtos de concorrentes. "Eles podem acelerar ou dificultar a liberação de um produto do concorrente", afirma. "A empresa acaba pagando a propina porque, com a liberação, recupera rápido o dinheiro."

"Todo mundo sabe que isso acontece na Anvisa", reconhece Elias Messer, dono da empresa Line Life, que fabrica produtos cirúrgicos. "Mas eu não entro nessa", garante. Segundo um integrante da Máfia dos Vampiros, o valor cobrado variava de acordo com a importância do processo e do bolso da empresa: R$ 3 mil, para produtos simples, até R$ 20 mil, valor cobrado de empresas robustas. Mas há casos de negociações "mais pesadas", admite.

Ele também conta que os golpes na Anvisa evidenciam um braço da Máfia dos Vampiros que permaneceu intacto. Em 2004, a Polícia Federal desbaratou uma quadrilha que fraudava licitações de hemoderivados no Ministério da Saúde - a Máfia dos Vampiros. As gravações feitas pela operação, às quais o Estado teve acesso, também apontavam para a conexão da quadrilha na Anvisa. O próprio José Janene foi flagrado em conversas com os vampiros, mas as investigações da PF empacaram misteriosamente.