Título: Empresas aéreas foram alvo de esquema no IRB
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Nacional, p. A14

RIO - Varig, Gol e TAM, as três principais empresas do setor aéreo nacional, foram obrigadas a dividir meio a meio a corretagem de resseguro de suas frotas de aviões entre empresas com as quais já operavam e as corretoras Assurê (Varig e Gol) e Alexander Forbes (TAM). Somente o seguro de responsabilidade civil (para indenização a terceiros) de uma empresa dessas é cotado entre US$ 500 milhões e US$ 1 bilhão.

A ordem para incluir, na renovação anual dos contratos, as duas corretoras, investigadas por suspeita de favorecimento, foi do então diretor comercial do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB), Luiz Eduardo Pereira de Lucena, indicado para o cargo pelo deputado José Janene, líder do PP na Câmara.

Uma terceira corretora, a Cooper Gay, também está sob suspeita de fazer parte do esquema, que vigorou de 2003 até maio deste ano, quando estourou o escândalo do IRB. As corretoras envolvidas, que antes só atuavam com seguro, foram habilitadas ao resseguro durante o governo Lula, em 2003, e receberam contratos imediatamente. O esquema também atuou em outros setores empresariais, como o siderúrgico. O seguro da Usiminas (empresa denunciada por doações "por fora" a campanhas políticas) para bens de US$ 13 bilhões ficou com a Forbes.

Cada contrato de seguro industrial, que movimenta centenas de milhares de dólares, dá à corretora uma porcentagem do negócio que, antes do esquema, variava de 3% a 5%; depois subiu para até 8%. Há suspeitas de que parte da comissão tenha sido desviada para beneficiar pessoas e partidos políticos, em esquema de caixa 2. Executivos do setor de aviação confirmaram ao Estado as pressões que sofreram para incluir as corretoras em seus contratos.

"Ele (Lucena) dizia: 'Temos de repartir o bolo'", disse um executivo, que preferiu não se identificar. Lucena e toda a direção do IRB que assumiu em 2003, por indicação do PP, PTB, PMDB e PT, foram substituídos em junho, quando ganharam força acusações de uso das estatais Infraero, Furnas e Eletronuclear em contratos privilegiando a trinca de corretoras.

Agora sabe-se que, além das estatais, empresas privadas participaram, à revelia ou não, da "divisão do bolo". A utilização política e as suspeitas de irregularidades no IRB estão sendo investigadas pelo Ministério Público, pela Polícia Federal e pelo Tribunal de Contas da União (TCU). O executivo de uma grande corretora de resseguros explica por que não houve reação pública às imposições do IRB.

"Quem tem poder é o IRB, que detém o monopólio do mercado.

Tecnicamente, está nas mãos do instituto a escolha das corretoras. Mas, geralmente, confirmada a habilitação da corretora, a direção acatava o pleito do segurado, que é quem paga o prêmio. Já a comissão é paga pelo ressegurador. A escolha das empresas que atuam no setor sempre foi cíclica, mas, nos últimos anos, estava havendo uma pulverização maior", declarou.

Relatório da comissão de sindicância interna do IRB, concluído em 23 de junho e enviado aos Ministérios Públicos Federal e Estadual, confirma "existirem indícios de que, efetivamente, algumas empresas tenham se beneficiado sobremaneira". O relatório cita a Assurê, a Alexander Forbes e a Cooper Gay. Foram demitidos do IRB, além Lucena, Carlos Murilo Goulart Barbosa Lima, Luiz Apolonio Neto, Manoel Morais e Alberto de Almeida Pais. Também foram afastados dos cargos os diretores de Furnas Rodrigo Botelho Campos, Dimas Fabiano Toledo e José Cury, além do assessor da diretoria de Planejamento da Eletronuclear Marcos Vinícius Vasconcelos Ferreira, genro de Jefferson.

Coincidências de datas e ligações entre as empresas e pessoas envolvidas levantam também a suspeita de que a escolha das empresas não foi aleatória: diretores do instituto teriam planejado previamente o modelo e escolhido as três corretoras nacionais. Para obter o credenciamento, as companhias associaram-se a grupos estrangeiros.

Em agosto de 2003 a Assurê, do amigo do deputado Roberto Jefferson, Henrique Brandão, associou-se à resseguradora norte-americana Accordia.

No mesmo dia que obteve a licença, selou acordo com a Infraero, resultado de negociação iniciada três meses antes, "o que decerto causa estranheza", destaca o relatório da sindicância. Brandão até então atuava apenas no mercado de seguros. Integrou, em 1998, o Conselho Nacional de Seguros Privados, vinculado ao Ministério da Fazenda, e presidido na época por Victor Manuel Lledó Carreres.

Carreres fundou a Re Participações e Consultoria Ltda, em fevereiro de 2004, com Ivan Carlos Machado Aragão, cunhado e sócio de Eduardo Jorge, ministro do governo Fernando henrique. A Re Participações associou-se à holding sul-africana Alexander Forbes e teve autorização do Ministério da Fazenda para atuar com resseguros quatro meses depois e também ganhou contratos do IRB. Em dezembro daquele ano, Lucena indicou a corretora na renovação de contrato da TAM, ignorando solicitação formal da empresa para continuar com o grupo Marsh/Guy Carpenter.