Título: Imagens desmentem a Scotland Yard
Autor: João Caminoto
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Internacional, p. A17

LONDRES - O brasileiro Jean Charles de Menezes sentou-se tranqüilamente num trem do metrô da estação de Stockwell segundos antes de ser morto pela Scotland Yard com sete tiros na cabeça e um no ombro. Além disso, segundo o depoimento de um policial que participou da operação, ele não recebeu ordem de prisão e já estava praticamente imobilizado quando foi morto. Ao contrário da versão inicial das autoridades policiais britânicas, Jean não vestia um casaco pesado de inverno, mas uma jaqueta jeans leve, entrou caminhando normalmente na estação e até pegou num estande um jornal gratuito. No total, 11 tiros foram disparados no incidente.

As revelações foram feitas ontem pela emissora de televisão britânica ITN, que teve acesso aos documentos oficiais secretos com depoimentos de policiais e testemunhas, além de quatro fotos do corpo do brasileiro. Numa reportagem de 15 minutos em seu principal telejornal noturno, a emissora qualificou o erro policial de "extremamente chocante" e questionou as declarações do comandante da Scotland Yard, Ian Blair, que logo após a morte do brasileiro garantiu que ele havia reagido ao alerta policial correndo e pulando a catraca da estação. "Essas revelações reforçam a nossa convicção de que a polícia cometeu um erro absurdo, injustificável, e estava tentando esconder a verdade", disse ao Estado a advogada Harriet Wistrich, do escritório Birnberg Peirce & Partners, que representa a família de Menezes.

Os documentos confirmam que o prédio onde Jean morava, na Scotia Road, em Tulse Hill, zona sul de Londres, estava sendo vigiado pela polícia na manhã do dia 22 de julho. A polícia suspeitava que o prédio pudesse abrigar um terrorista.

Ao sair do prédio, às 9h30 da manhã, Jean despertou a desconfiança dos policiais à paisana. Mas eles não tinham certeza que ele poderia ser um dos suspeitos dos atentados do dia anterior, Hussain Osman. Os policiais decidiram segui-lo enquanto avaliavam o caso. Jean, que não carregava uma mochila ou bolsa, entrou num ônibus em direção à estação de Stockwell. Segundo a ITN, durante o trajeto, com base, entre outras coisas, na aparência física do brasileiro, os policiais concluíram que ele seria um dos suspeitos e transmitiram uma "identificação positiva"ao comando de operações da Scotland Yard.

O comando acionou o CO19, uma equipe de policiais autorizados a matar um suspeito de terrorismo que represente algum perigo iminente e corra ao ser interpelado. Enquanto isso, Jean chegou à estação do metrô aparentemente sem saber da operação policial ao seu redor. O vídeo gravado pela câmera de segurança da estação mostra que ele caminhou normalmente. O brasileiro utilizou seu cartão pré-pago para passar pela catraca. Após descer a escada rolante lentamente, ele correu na plataforma ao ver um trem parado. "Em algum ponto na base da escada rolante, ele foi visto correndo na plataforma e entrando num vagão antes de se sentar numa cadeira disponível", diz o documento obtido pela ITN. Jean entrou e sentou-se. Segundo os documentos , um policial à paisana sentou perto dele.

Em seu depoimento, esse policial disse que o brasileiro se levantou ao perceber a chegada de agentes armados. "Ouvi gritos que incluíam a palavra `polícia¿ e me virei para o homem com a jaqueta de jeans", disse o policial no inquérito.

Esse policial conteve Jean e tentou fazer com que ele voltasse ao lugar. "Ele imediatamente se levantou e avançou em minha direção e dos agentes CO19. Agarrei-o e empurrei-o de volta à seu assento." Nesse momento, o policial ouviu os tiros dados às suas costas contra o brasileiro. Jean foi atingido por oito tiros, sete na cabeça e um no ombro.

A ITN exibiu uma foto do corpo de Jean, caído no chão do vagão, com manchas de sangue ao lado e nos assentos. O primo da vítima, Alessandro Alves Pereira, foi convidado pela ITN a ver as outras três fotos do corpo, que não foram exibidas ao público por serem consideradas muito chocantes.