Título: Grupo tenta recriação virtual de bactéria
Autor: Carl Zimmer
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Vida&, p. A19

Michael Ellison está perseguindo um sonho que é compartilhado por biólogos ao redor do mundo: a reconstrução virtual de um organismo vivo por computador, da primeira à última molécula. Isso permitiria aos biólogos entender o funcionamento da vida de forma tão detalhada quanto um engenheiro compreende as pontes e os edifícios que constrói. Ellison faz parte de uma equipe internacional de cientistas que está tentando transformar essa fantasia em realidade por meio da Escherichia coli, bactéria que habita naturalmente o intestino humano e há décadas é um dos principais organismos usados para pesquisa biológica em laboratório. "Escolhemos o organismo mais simples sobre o qual sabemos o máximo possível", explica Ellison, biólogo da Universidade de Alberta.

"Você pode se sentar ao computador, projetar experimentos, observar o funcionamento da uma coisa e, então, entender como um certo processo ocorre e porque ele ocorre", afirma. "Não poderemos reconhecer todo o potencial da revolução biológica enquanto não conseguirmos simular um organismo vivo."

Os cientistas sabem mais sobre a E. coli do que sobre qualquer outro organismo, mas isso não significa que possam criar uma reprodução virtual dela da noite para o dia. Muitos mistérios ainda precisam ser resolvidos e, pelo menos por enquanto, até a simplicidade biológica de uma única E. coli permanece complexa demais para ser simulada em computador.

Mas o esforço é válido assim mesmo. A simulação de um organismo seria uma ferramenta valiosa para o estudo de novas drogas, para a engenharia genética e para a compreensão da vida como um todo, dizem os cientistas. Para isso é necessário saber exatamente como cada molécula funciona, a começar pelos genes, pelas proteínas e por todas as interações que ocorrem entre elas para fazer o organismo funcionar. O modelo virtual da E. coli poderia ser ainda adaptado para simular o funcionamento de células humanas mais complexas, o que permitiria simular o efeito de medicamentos e de condições ambientais sobre elas.

"Aí, sim, você pode partir para a engenharia genética", diz Ellison. "Você poderia projetar organismos ou mudá-los de maneira significativa. Hoje, quando as pessoas falam de engenharia genética é quase uma piada, porque estão dizendo 'eu movi um gene desse organismo para outro organismo e vou rezar para que funcione'."

Descoberta em 1885, a E. coli é muito fácil de ser cultivada em laboratório. "Todo mundo estuda a E. coli para tudo", resume Gavin Thomas, microbiólogo da Universidade de York, na Inglaterra. A pesquisa ganhou força em 1997, quando cientistas seqüenciaram o genoma da bactéria, com todos os 4.288 genes.

Em 2002 foi formada a Aliança Internacional da Escherichia Coli, com a participação de vários laboratórios. Em um dos projetos, os cientistas criaram mais de 3.900 linhagens diferentes da bactéria, cada uma com um gene diferente faltando. Dependendo de como cada linhagem se comporta, é possível identificar a função de cada gene no organismo.

Outro grupo criou um modelo de computador simplificado para simular a movimentação da E. coli em condições ambientais variadas. Com isso, os cientistas tentam entender os processos bioquímicos pelos quais a bactéria captura e processa informações do ambiente. "Se você não entende como uma única E. coli consegue encontrar comida passando informações de fora para dentro, não há muita esperança para entender um sistema complexo como o câncer", compara Thierry Emonet, da Universidade de Chicago.