Título: Economista exige redução da Selic
Autor: Márcia De Chiara
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Economia & Negócios, p. B4

RIO - O economista José Alexandre Scheinkman, da Universidade de Princeton, defendeu ontem que o Banco Central (BC) anuncie uma política oficial de redução da taxa de juros real para níveis "substancialmente inferiores" aos atuais. Com críticas duras à política de altos juros reais do BC, Scheinkman acha que o nível deveria ser "certamente inferior a 10%, e provavelmente em torno de 8%". Isto, acrescenta, significaria uma Selic de 13% a 14%, já que a inflação está por volta de 5% ao ano. Quanto à decisão do Copom de hoje, observou não estar preocupado com reuniões específicas, mas com um movimento consistente de queda dos juros.

Em entrevista ao Estado, no Rio, Scheinkman disse ainda que a inação do governo por causa da crise pode prejudicar o crescimento do Brasil no médio e longo prazo, e mostrou-se particularmente preocupado com o que chamou de "populismo da oposição", referência ao aumento do salário mínimo para R$ 384 no Senado, por iniciativa do senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA).

A seguir, trechos da entrevista:

A inflação está caindo, a atividade econômica não sofreu tanto assim, e a economia está estável. O sr. mantém suas críticas recentes à atuação do Banco Central?

Meus problemas com a taxa de juro elevada continuam. Em primeiro lugar, o custo fiscal desta política e a dívida está aí. Numa oportunidade que tivemos de cortar a relação dívida/PIB, pelo esforço fiscal que vem sendo feito, ele foi todo gasto para pagar juro real. Temos hoje uma relação dívida/PIB pior do que teríamos se o Banco Central tivesse seguido uma política mais racional.

E a inflação?

Na verdade, ao longo deste ano, eu fiquei muito menos preocupado com o nível global de inflação (a inflação cheia) do que o Banco Central pareceu estar. Eu entendo que a boa teoria econômica diz que você tem de escolher um índice que reflita os preços que estão sendo fixados pelo mercado brasileiro. E este nível de inflação, que a gente chama de preços livres, já está com taxa baixa há bastante tempo. A tentativa do Copom foi de fazer com que a taxa de inflação dos preços livres baixasse o suficiente para compensar a taxa de inflação dos preços administrados. Para mim isto é um erro de compreensão sobre quais são os efeitos ruins do processo inflacionário.

O que o BC deveria fazer?

Dada a situação de liquidez do mercado internacional, o Brasil poderia planejar ter uma taxa básica real certamente abaixo de 10%, e talvez em torno de 8%. Isto implica uma redução substancial, que não precisa ser feita num dia evidentemente, principalmente no clima político que temos hoje. Para mim, não importa tanto quanto o Copom vai cortar em uma reunião específica, mas sim ter uma política de baixar a taxa de juros, que já poderia ter começado. Com a inflação por volta de 5%, estamos falando de uma taxa de 13% a 14%. Teria sido mais fácil fazer isto há seis meses do que agora, com as variáveis políticas. Mas eu acho que isto não impediria o Banco Central de iniciar um processo destes e anunciar que, dados os fatores já mencionados, o objetivo é ter uma taxa de juro sensivelmente inferior a que temos hoje.

Como o sr. vê a resistência que a economia vem mostrando ante a crise política?

Essa crise encontra a economia brasileira muito melhor do que no passado, o que ajuda a reduzir a volatilidade. Mas os impactos podem ser não só no curto prazo, no dólar, na bolsa, mas também no longo, e aí eu tenho algum receio. A agenda de reformas, como a tributária, pode ficar paralisada. A conseqüência disto é a redução do crescimento. Como está num ano bom, crescemos como em 2004 (4,9%). O País precisa mudar este patamar. Podemos almejar o nível de crescimento dos países da Ásia, incluindo a Índia, de 6% a 7%. Mas há uma agenda de educação, redução de informalidade, ciência e tecnologia, retomada de investimentos públicos, abertura comercial mais profunda. Na pior das hipóteses, esta crise continua até as eleições de 2006, uma perda de um ano e meio. Numa economia como a do Brasil, é um problema sério.

Qual o risco político da atual crise?

Todo mundo tinha medo de uma recaída populista do governo Lula, que até agora não aconteceu, mas aconteceu a recaída populista da oposição. O caminho do populismo está um pouco congestionado. Não espero que o salário mínimo de R$ 384 vá passar, mas há o risco, se o populismo da oposição continuar, de em algum momento o governo parar de ficar constrangido e aderir. Seria muito ruim para o Brasil.