Título: Vale divide Agência de Transportes
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 17/08/2005, Economia & Negócios, p. B10

BRASÍLIA - O complicado julgamento dos negócios da Vale do Rio Doce pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), na semana passada, ainda não foi suficiente para encerrar os debates sobre os negócios da empresa dentro do governo. Na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), está em curso uma batalha em torno da regra a ser aplicada na Ferrovia MRS, da qual 38% das ações pertencem à Vale. No extremo, a ANTT pode tomar uma decisão diferente da do Cade e, nesse caso, há controvérsias sobre qual prevaleceria. Uma ala dos conselheiros da ANTT defende que a Vale não pode ter mais do que 20% das ações da empresa MRS, conforme determinam as leis editadas à época de sua privatização. Portanto, ela teria de vender parte das ações. Outra ala defende que a Vale pode manter os 38% das ações, desde que deixe de participar do conselho da MRS como duas pessoas jurídicas (Vale e Ferteco), unificando as duas participações em um só voto.

O Cade, num julgamento em que não houve unanimidade, propôs dois pacotes de restrições à Vale, para que a empresa escolha o que lhe for menos oneroso. Num, propõe que a empresa venda os ativos adquiridos com a compra da mineradora Ferteco, entre os quais estão 18% das ações da MRS. Nessa hipótese, a Vale ficaria com 20% das ações, como defende parte da ANTT. O segundo pacote proposto pelo Cade prevê a manutenção dos 38% da ações, com perda do direito de veto.

O diretor-geral da ANTT, José Alexandre Resende, defende que a agência se abstenha na questão. Em 2003, a ANTT chegou a determinar à Vale que vendesse 18% das ações da MRS. A mineradora recorreu. A agência resolveu, então, esperar a decisão do Cade. Portanto, não haveria por que a agência decidir diferente agora. Há uma brecha na legislação que permite à ANTT deixar a palavra final ao Cade, mesmo se tratando de uma questão de transportes, porque a lei diz que o Cade é o órgão soberano em relação à defesa da concorrência.

Não é esse, porém, o entendimento de um grupo de conselheiros, para quem é dever da agência garantir a regra contratual de privatização das ferrovias. Eles acham que a Vale tem de ter no máximo 20% da MRS.

Portanto, na opinião desses conselheiros da ANTT, o pacote proposto pelo Cade em que a Vale mantém 38% da MRS sem o direito a veto teria de ser obrigatoriamente descartado.

Essa divisão é a ponta visível de uma disputa interna na ANTT que vai além da Vale. Os comentários nos corredores da ANTT põem de um lado o diretor-geral, José Alexandre Resende, e o diretor Noboru Ofugi, que assumiram em 2002, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. Resende tem mandato até 2008 e Ofugi foi reconduzido este ano para mais três anos. Esses defendem a abstenção.

No grupo oposto, estão os diretores Gregório Rabelo, José Airton Cirilo e Francisco de Oliveira que foram aprovados para a ANTT ao longo do ano passado, e teriam por trás de suas indicações o PT e o PMDB. José Airton, por exemplo, foi o candidato do PT nas eleições para o governo do Ceará em 2002, quando perdeu para Lúcio Alcântara (PSDB). Esses defendem a regra dos 20%.

O auge da disputa entre os dois grupos ocorreu quarta-feira da semana passada, dia 10, quando Rabelo, Cirilo e Oliveira aprovaram uma "notificação conjunta" impedindo Resende de nomear ou exonerar funcionários para cargos de confiança em gerências e assessorias da ANTT nos Estados. Eles também o acusaram de fazer a distribuição das relatorias dos processos "de forma direcionada", sem a realização de um sorteio na presença de "todos os diretores".

Resende prefere não responder, mas interlocutores próximos revelaram que ele tem em sua defesa as atas de várias reuniões do colegiado nas quais, por causa das "faltas freqüentes de dois integrantes do grupo rebelde", as decisões teriam sido votadas e aprovadas por maioria de três, como determina o estatuto da ANTT.