Título: 'Não bate nele mais, ele é sangue bom'
Autor: Luciana Garbin e Marcelo Godoy
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Metrópole, p. C4

Um coturno e a frase "Não bate nele mais, não, que ele é sangue bom" são as lembranças mais fortes que W., de 50 anos, tem da noite de 19 de agosto de 2004. Sobrevivente do massacre, W. dormia na Praça da Sé quando foi atacado. Diz que estava sob efeito de álcool e drogas e passou cinco dias internado. Ao sair, sem documentos e com a cabeça enfaixada, puseram-no num ônibus e deram R$ 5,00. "Fui à Sé ver o que aconteceu. Quando cheguei, só falavam da matança, de quem tinha morrido, quem escapou." W. queria pagar um café ao bombeiro que o socorreu. Mas gastou o dinheiro em pinga. Desesperado, entrou na catedral. "Estava rezando e chorando quando um padre bateu no meu ombro e me deu um terço. Na saída, uma moça perguntou se eu queria ir para a casa da comunidade." W. foi e continua na comunidade religiosa. Por segurança, o nome do local, no interior, não pode ser divulgado. "Deus me abriu uma porta."

J., de 55, outro sobrevivente, tem grandes dificuldades para se expressar e coordenar pensamentos. Diz não se lembrar de nada, apenas que acordou com pancadas na cabeça, no joelho e no tornozelo. Ele passa as noites num albergue e durante o dia caminha pela cidade.

Pessoas que trabalham com os sem-teto reclamam que não houve ampliação de vagas em albergues e a bolsa-aluguel foi praticamente desativada. O secretário de Assistência e Desenvolvimento Social, Floriano Pesaro, contesta. Diz que a Prefeitura atua em várias frentes. As principais: identificação das necessidades de quem usa a rede de atendimento, criação de residências terapêuticas e descentralização dos serviços de assistência.