Título: Elas gritam mais que os rapazes
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Internacional, p. A16

NEVE DEKALIM, FAIXA DE GAZA - Pelo menos no caso dos adolescentes fanáticos que protagonizaram cenas de desespero e violência ontem nas sinagogas dos assentamentos de Neve Dekalim e Kfar Darom, elas berram mais que eles. Garotas religiosas de 14 a 19 anos, usando saias até os pés e camisetas laranja, têm sido responsáveis por algumas das cenas mais bizarras da retirada israelense da Faixa de Gaza. Exaltação, histeria e fanatismo religioso são parte do perfil dessas adolescentes, criadas em famílias religiosas e messiânicas. Na desocupação das sinagogas de Neve Dekalim, as adolescentes roubaram a cena, até porque constituíam dois terços do total de 1.500 jovens que decidiram se enclausurar nas duas sinagogas que acabaram sendo esvaziadas por soldados.

O barulho que as garotas fizeram não será esquecido tão cedo pelos soldados que participaram da operação. Nas dez horas em que durou o cerco às sinagogas, elas cantaram, choraram e rezaram, mas principalmente passaram o tempo tentando convencer as tropas a desisitirem de cumprir as ordens de seus comandantes. Aos berros e soluços, elas não pararam um minuto de discursar diante de cada soldado que fazia o cerco.

"Olhe nos meus olhos! Você não tem vergonha de estar aqui prestes a cometer um crime? Como você vai nos arrancar de nossas casas? Como pode destruir uma sinagoga sagrada? Você não tem medo de ser julgado por Deus? Gush Katif pertence aos judeus! Você não se envergonha de entregar todas as colônias para os árabes? Passe para o nosso lado! Não importa o que Ariel Sharon decidiu, só em Deus há salvação!" A enxurrada de frases feitas é dita por Odaiá Cohen a poucos centímetros do rosto de uma soldado, que tenta não reagir. Odaiá, de 17 anos, originalmente moradora do assentamento de Shiló, na Cisjordânia, decidiu ir para Neve Dekalim há um mês, com permissão dos pais, para participar da luta contra o que ela considera uma medida imoral, injusta e acima de tudo antijudaica: a retirada dos assentamentos judeus da Faixa de Gaza.

Trouxe ainda duas das seis irmãs mais novas. As três dormem em sacos de dormir na casa de amigas, em situação mais do que precária. "Sharon espera que aceitemos entregar aos inimigos terras que nos pertencem? Deus vai nos ajudar. Tenho certeza de que vai acontecer algum milagre e essa retirada vai ser revertida", diz a jovem.