Título: Após saída, desafio é a economia
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Internacional, p. A16

GAZA - Enquanto soldados e policiais israelenses finalizam a retirada de colonos da Faixa de Gaza, os palestinos celebram nas ruas e preparam uma grande festa para o dia da entrega do controle do território à Autoridade Palestina (AP). Passados os desfiles, as danças e os tiros para o alto, os palestinos terão que encarar um novo desafio. No território, vivem 1,4 milhão de pessoas, dos quais dois terços abaixo da linha da pobreza. Quem tem trabalho é um privilegiado já que a taxa de desocupação é de 50%. Depois da retirada, além de garantir a segurança na Faixa de Gaza, a AP terá que atrair investimentos e criar empregos. Isso tudo sem ter o controle do espaço aéreo e marítimo do território, que continuará nas mãos de Israel.

A Faixa de Gaza é um pequeno ponto no mapa. Com apenas 350 quilômetros quadrados (um quarto da área da cidade de São Paulo), está separada de Israel e de sua pequena fronteira com o Egito por cercas fortemente vigiadas. Se é difícil sair, circular dentro do território não é tarefa muito mais fácil. Gaza tem uma infra-estrutura sofrível (se é que as poucas estradas existentes podem ser chamadas de infra-estrutura).

O futuro dos pobres e desempregados de Gaza está sendo decidido por uma comissão palestino-israelense que negocia questões-chave como a recuperação do aeroporto internacional - cuja pista e sistema de radar foram destruídos por Israel durante o último levante palestino -, a retomada das obras do porto local, a construção de uma estrada/ferrovia de ligação entre a região e a Cisjordânia e a introdução de um novo sistema de controle nos postos da fronteira israelense.

O comerciante Aden El-Jamar, de 47 anos, dono de uma loja de tapetes no centro da Cidade de Gaza, acredita que num primeiro momento a situação vai favorecer suas vendas porque, sem os bloqueios militares israelenses nas estradas, o transporte das mercadorias será mais rápido e mais barato. "Às vezes é difícil, por exemplo, vender para Rafah, que fica no sul da Faixa de Gaza, porque não dá pra fazer a entrega", diz ele. Depois que militantes palestinos atacavam as colônias, o Exército costumava bloquear a passagem de veículos em vários pontos da rodovia Saladino, que corta a Faixa de Gaza de norte a sul e cruza estradas usadas apenas pelos colonos (ver mapa).

El-Jamar deixa claro, no entanto, que uma melhora de fato para os negócios só virá se for construído o porto, cuja obra ficou parada durante o último levante, se o aeroporto voltar a funcionar e houver mais facilidade para importação e exportação. Ele compra tapetes da Turquia, do Egito, da Bélgica e do próprio Israel.

O custo aumenta por causa do transporte dos portos israelenses até Gaza, das taxas e das dificuldades na movimentação das mercadorias, que passam por postos de controle e muitas vezes ficam muito tempo paradas em portos de Israel.

O irmão de Aden, Omar, mora no Rio de Janeiro há 33 anos e veio a Gaza visitar a família e vender um prédio comercial numa área valorizada do centro de Gaza. Omar afirma que o edifício é herança de família e a decisão de se desfazer dele não está relacionada à possibilidade de obter um valor melhor agora, tirando proveito do otimismo no mercado imobiliário local. "Já me considero brasileiro, por isso resolvi vender o edifício. Recebi várias ofertas, com valores abaixo do que vale. Há otimismo em Gaza. Muita gente quer fazer negócios, só que ninguém quer arriscar muito porque não basta a retirada das colônias", diz Omar. "Se não houver facilidade de transporte e comunicação, os negócios não andam. É preciso haver um acordo de paz amplo."

Omar comenta que tem uma empresa de importação e exportação no Brasil. À medida que a conversa se estica, ele revela que antes de embarcar no Rio buscou no Banco do Brasil a relação de produtos que o País exporta para Israel. De repente, tira a lista do bolso e começa a explicar que 70% deles são revendidos para a Faixa de Gaza e a Cisjordânia. "Se houvesse escoamento direto, poderíamos exportar diretamente do Brasil para a Palestina."

Na semana passada, um acordo alegrou os empreendedores palestinos. Um contrato garantiu que cerca de 80% das estufas usadas pelos colonos judeus para produzir frutas, legumes e flores serão compradas por um fundo internacional e repassadas para a AP. O arranjo garantirá o emprego de 3 mil palestinos. Israel concordou em entregar ao Egito o controle da fronteira egípcia com a Faixa de Gaza, o que permitirá uma via de comunicação entre o território e o mundo árabe. Esse acordo é condicionado a uma vigilância rígida para impedir o contrabando de armas para extremistas palestinos.

O empresário Hani Deeb, de 38 anos, dono da Star Plast Co., pequena fábrica de plásticos e papel-alumínio no centro da cidade de Gaza, é um dos que estão prontos para investir. Com sua fábrica que emprega 20 pessoas e produz utensílios domésticos, conseguiu juntar capital para aplicar se a região prosperar. "Não acredito que a situação ficará melhor se não for facilitada a passagem nas fronteiras. Vendo para Gaza, Israel e a Cisjordânia e gostaria de exportar para países árabes", afirma Deeb. "Já cheguei a exportar para a Alemanha, só que o negócio não teve continuidade por causa das complicações burocráticas e de transporte."

A aparência da fábrica de Deeb é horrível. Rolos de material amontoados nos cantos, barulho ensurdecedor das máquinas, pouca iluminação e um calor sufocante. Fica em pleno centro da cidade, em meio a residências e a uma movimentada rua com lojas populares. Apesar de tudo ser muito precário, Deeb está bem informado sobre fornecedores e potenciais mercados na Cisjordânia e no exterior. Ele mostra um pedaço de madeira e diz que se Gaza tiver um porto poderá comprar a matéria-prima do Brasil ou de outros países.