Título: Luta, mas faltam só 5 assentamentos
Autor: Daniela Kresch
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Internacional, p. A16

NEVE DEKALIM, FAIXA DE GAZA - Às 5 horas, um grupo de adolescentes corria de um lado para outro em Neve Dekalim ateando fogo a pneus nas ruas da maior colônia da Faixa de Gaza e, até ontem, o centro nervoso da resistência contra a retirada israelense da região. Objetivo: conter soldados e policiais que certamente entrariam no assentamento a qualquer momento para desocupar de uma vez por todas a colônia. Obviamente, a ingênua ação paramilitar não impediu que milhares de policiais e soldados marchassem pela rua principal poucos minutos depois, em preparação para esse que seria o último dia de Neve Dekalim.

No final do dia, só restariam no local militares, policiais e jornalistas. Outros assentamentos também teriam o mesmo fim no segundo e mais violento dia de desocupação forçada da região. Kfar Darom, Kfar Yam, Shirat Ha-Yam e Netzer Hazani, todos focos de resistência cujos moradores ameaçavam havia meses resistir até o fim, foram sendo aos poucos esvaziados. No total, 16 dos 21 assentamentos de Faixa de Gaza já estão vazios, com apenas 240 famílias ainda morando na região de um total anterior de 1.700. Os confrontos mais pesados ocorreram nos prédios públicos mais importantes para os colonos: as sinagogas.

Às 6 da manhã, o circo estava montado na frente das duas principais sinagogas de Neve Dekalim (uma para judeus sefaraditas e outra para judeus asquenazis). Milhares de policiais cercavam os dois prédios, ligados entre si. Dentro deles, cerca de 1.500 jovens religiosos se enclausuravam - garotas num edifício, rapazes no outro.

Havia dias eles estocavam comida e água para transformar o local numa fortaleza capaz de evitar a continuação da desocupação dos 21 assentamentos judaicos na Faixa de Gaza e 4 na Cisjordânia, decisão do governo Ariel Sharon que eles consideram quase um sacrilégio.

O clima de tensão e impasse - juntamente como o calor do verão na região - foi aumentando hora a hora, a cada negociação frustrada entre comandantes da polícia, rabinos e líderes políticos. A polícia queria que todos os jovens - 90% deles moradores de assentamentos de radicais na Cisjordânia infiltrados em Gaza para atrapalhar a retirada - aceitassem deixar Neve Dekalim voluntariamente e sem violência. Já líderes religiosos e políticos insistiam que ninguém arredaria pé. "Não atacaremos nenhum policial, mas daqui não sairemos nunca por vontade própria", repetia, aos prantos, Hanan Porat, um dos principais líderes da direita nacionalista israelense, que considera toda a Palestina terra sagrada dada por Deus ao povo judeu.

Em alguns momentos a tensão parecia diminuir, como quando o comando da polícia decidiu distribuir sorvete a todos - colonos, policiais e jornalistas. Mas em outros, o clima piorava. Num certo momento, duas casas foram queimadas por manifestantes que não estavam nas sinagogas, lançando fumaça por todos os lados.

"Temos de cumprir nossa missão de levar adiante a desocupação de todos os assentamentos da Faixa de Gaza. Não vai ser aqui que vamos falhar. Esses jovens vão sair das sinagogas, e vai ser à força", decretou o superintendente-chefe da Polícia israelense, Avi Zelba.

Às 14 horas, o ultimato foi lançado: ou saíam por bem, ou em uma hora sairiam por mal. Duas horas depois (e após a polícia ter esticado o prazo para permitir uma última reza conjunta), o batalhão de choque derrubava as portas das sinagogas. Entre pontapés, socos e muita gritaria, os policiais começaram a carregar para fora os resistentes, um a um, numa operação que durou mais de oito horas e contou com quatro policiais para cada colono. Os jovens foram colocados em ônibus blindados e levados para fora da Faixa de Gaza, para onde estão proibidos de voltar - assim como todos os civis israelenses.

Em Kfar Darom, centenas de adolescentes fanáticos (também, em sua maioria, moradores de assentamentos radicais da Cisjordânia) também se apossaram do telhado da sinagoga local, que cercaram com arame farpado. Nas imagens mais violentas até agora do processo de retirada de colonos, eles atacaram sem piedade os soldados que tentavam subir para retirá-los do local.

Pelo menos 45 pessoas ficaram feridas no episódio - 27 policiais, 14 manifestantes e 3 soldados. Os fanáticos atiraram de tudo contra os policiais: ovos, óleo, terra, tinta, garrafas plásticas, latas de refrigerante e água. Os principais ferimentos, no entanto, foram causados por uma espécie de ácido lançado por alguns manifestantes contra policiais, que tiveram de rasgar seus uniformes para livrar-se da sensação de queimadura. A manifestação foi qualificada de "nojenta" pelo comandante da Divisão Sul das Forças Armadas, general Dan Harel.

Horas depois, também a sinagoga de Kfar Darom estava vazia, assim como todas as casas da colônia. Enquanto os policiais lidavam com os manifestantes, soldados passavam de casa em casa para retirar famílias que insistiram em ficar até ontem, apesar de todos os prazos para mudança já terem se expirado.

Na maioria das casas, houve gritos e choradeira. Famílias inteiras tiveram que ser carregadas - do avô ao neto - para ônibus especiais. Não faltaram dramas pessoais que provocaram lágrimas nos soldados que cumpriam sua missão.