Título: Fica, Lula
Autor: João Mellão Neto
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Espaço Aberto, p. A2

Existe, em economia, um conceito-chave, criado por Alfred Marshall, chamado "custo de oportunidade". Aos custos de todo e qualquer empreendimento devem ser somados, como custos, os eventuais lucros que poderiam ser obtidos se o capital tivesse sido investido em outra alternativa. Trocando em miúdos, não existe investimento bom ou ruim. Tudo depende de quais são as opções disponíveis. Se tenho terras e estou criando gado, devo sempre estar atento para saber se, optando por criar suínos, plantar cana ou mesmo fazer um hotel-fazenda, eu teria um retorno maior ou menor do que aquele que estou obtendo. Se eu não posso ganhar mais dinheiro (e ter menos aborrecimentos) usando minhas terras de outra maneira, isso significa que o "custo de oportunidade" de criar gado é vantajoso e eu devo permanecer na atividade. Esse conceito, ampliado para a vida, vale para quase tudo. O que eu poderia fazer se não fizesse o que faço? É mais vantajoso mudar de casa ou continuar na mesma? Devo permanecer no atual emprego ou procurar outro? Tudo depende do "custo de oportunidade".

No caso específico de nosso desventurado presidente, o "custo de oportunidade" indica que o melhor a fazer é mantê-lo no cargo. Até porque faltam apenas 14 meses para as eleições presidenciais e não mais do que 17 para a posse do eleito. Um impeachment, a esta altura, além de traumático, é desnecessário e desvantajoso para a Nação.

Os leitores são testemunhas de que nunca nutri grande simpatia por Lula e muito menos pelo PT. Nunca acreditei em contos de fadas, nos quais sapos se transformam em príncipes e, por extensão, semi-analfabetos se convertem em estadistas. Como reza a Lei de Murphy, de quem menos se espera... é que não sai nada mesmo.

Não se trata de preconceito. A História está repleta de grandes personagens que nasceram em berços humildes. Lincoln é um exemplo universal. JK, no Brasil, é outro. O problema não está na origem, e sim no preparo. Apesar das inúmeras adversidades, o primeiro logrou formar-se advogado e o segundo, médico. Napoleão, desde criança, era um devorador de livros. Todos, de alguma forma, trataram de superar as suas dificuldades e se prepararam para seu glorioso destino. Lula, ao contrário, além de não ter estudado - como fez o seu colega Vicentinho -, sempre se jactou de sua indigência cultural. Julga-se um intuitivo infalível. Sabe que nada sabe e, ainda assim, nada quer aprender. Sempre "confiou no seu taco" e, por fazê-lo, acabou se dando mal.

Mas, por mais grave que seja a crise, por mais patentes que fiquem sua incompetência e sua responsabilidade, mesmo assim ele não deve ser impedido. E há fortes motivos para mantê-lo.

Apeá-lo do poder, por mais graves que se venham a revelar as acusações, apenas serviria para transformá-lo de réu em vítima. Não faltarão oportunistas para insuflar as massas sob o argumento de que ele foi derrubado porque não fazia parte do seleto clube das elites. Esse discurso ressentido poderá resultar no sucesso eleitoral de algum populista que se proclame continuador de sua obra.

Outro bom motivo para mantê-lo é o fato de ele, apesar dos pesares, ter mantido intactos os fundamentos da economia. Ninguém sabe o que seu eventual sucessor, premido pela falta de tempo para mostrar serviço, pode ser tentado a fazer. No caso do atual vice, José Alencar, é sabido que ele tentará baixar substancialmente os juros básicos e, com isso, implodir todos os esforços de austeridade que foram empreendidos até aqui.

O terceiro e principal motivo é que, uma vez instaurado e concluído o processo de impeachment, todas as demais investigações cessarão, a página será virada e a Nação perderá uma oportunidade única de depurar todas as suas atuais disfunções. Haja vista o episódio Collor, em 1992. A opinião pública deu-se por saciada com a derrubada do presidente e nada mais se fez para aperfeiçoar as instituições e debelar os eventuais focos de corrupção. O resultado foi que, já no ano seguinte, o País foi novamente sacudido, agora pelo escândalo dos "anões do orçamento", o qual levou o Congresso a total paralisia e resultou na cassação de uma dezena de parlamentares.

O editorial do Estadão da última quarta-feira demonstra, de forma eloqüente, as mesmas preocupações. Já que a crise está instalada, por mais amplo que seja o leque de linhas de investigação, todas as possíveis irregularidades devem ser esmiuçadas até as últimas conseqüências. Não basta remover o presidente. É preciso extirpar este câncer até as suas mais profundas raízes.

Além do mais, para a preservação e o vigor das instituições democráticas, o grande obstáculo não é o governo Lula em si, mas sim todo o radicalismo e a inconseqüência de uma corrente de pensamento que o levou ao poder. A martirização de Lula poderá representar o reerguimento, se não do PT em si - esse já acabou -, ao menos do ímpeto revolucionário e do messianismo que sempre tangeram a alma petista.

O ideal, para a Nação, é que o atual governo conclua o seu mandato e seja derrubado, nas urnas, por uma opinião pública finalmente vacinada e imunizada contra as doenças infantis que acometem as jovens democracias. Até porque o regime democrático não é nem nunca foi a antecipação do Paraíso. Ele é, isso sim, o porto seguro onde desembarcam todos os povos que se desencantaram das soluções radicais.

A democracia madura prescinde de heróis e de homens providenciais. A História está aí para servir de exemplo.

Os povos que precisam de salvadores são justamente os povos que não merecem ser salvos.