Título: As desculpas do PT
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Notas e Informações, p. A3

O pedido público de desculpas do PT, em nota oficial produzida em reunião da Executiva Nacional e divulgada anteontem, é mais direto que o que fora feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da reunião do Ministério. Este se eximiu das acusações e se escondeu atrás do condicional "se errou", limitando-se à referência genérica a uma eventual "culpa" de companheiros do governo e do partido no apêndice de um discurso sobre feitos administrativos. Redigida com a preocupação de não destoar do pronunciamento do presidente e, segundo consta, por este sugerida ao presidente nacional petista, Tarso Genro, a tal carta pelo menos admitiu erros de fato cometidos, e não hipotéticos. O texto, entretanto, padece do mesmo pecado original de sua fonte inspiradora: o alheamento - que beira o autismo - em relação aos fatos que a motivaram. Como destacou, com exatidão, Dora Kramer, em sua coluna de ontem, "tudo na nota divulgada ontem é sombra, artifício e sofisma, a começar pelo nome de 'resolução' sem nada ter resolvido".

Esse descolamento da realidade já se torna evidente na descrição dos erros dos quais os petistas se dizem arrependidos. A nota refere-se a "novas denúncias" que dizem respeito apenas aos "financiamentos paralelos" de campanhas eleitorais. Ou seja, a nova direção petista assume como erros apenas os que foram relatados nos depoimentos dados à TV Globo pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, pelo acusado de ser operador do "mensalão", Marcos Valério, e pelo presidente Lula, na entrevista de Paris. Ou seja, o PT só pediu desculpas pelos delitos que ele próprio admite ter cometido contra a legislação eleitoral, não contabilizando os empréstimos bancários que recebeu.

Passa, portanto, ao largo das denúncias feitas pelo presidente nacional afastado do PTB, Roberto Jefferson, um ex-aliado, que acusa dirigentes petistas de terem pago pela adesão de parlamentares a legendas da base oficial e pelo apoio de membros dessas bancadas em votações de interesse do governo. Desconhecer as evidências de corrupção reconhecidas no documento produzido pelo relator da CPI dos Correios, deputado Osmar Serraglio (PMDB), membro de uma bancada governista, no qual estão relacionados 18 acusados de se beneficiarem desse esquema, 7 dos quais do PT, equivale, no mínimo, a contar com a burrice do destinatário final do documento, a cidadania brasileira - o que é um insulto a ela. E, mesmo tendo sido escrita depois de a Nação ter visto e ouvido o marqueteiro do partido e do presidente, Duda Mendonça, reconhecer que recebeu o pagamento por seus serviços em conta bancária num paraíso fiscal, também faz de conta que esta confissão não implica um autêntico passeio pelo Código Penal, que vai de crime fiscal à lavagem de dinheiro. É como se um assaltante matasse uma pessoa e pedisse desculpas por ter-lhe batido a carteira.

Mais absurdo ainda é pretender que alguém creia que as irregularidades pelas quais agora o PT pediu desculpas à Nação não eram do conhecimento de suas "instâncias formais", depois de o presidente nacional, José Genoino, o secretário-geral, Sílvio Pereira, o tesoureiro, Delúbio Soares, e o secretário de Comunicação, Marcelo Sereno, terem sido afastados de tais "instâncias" exatamente por as terem exercido mal. Note-se, aliás, que, a exemplo do improviso presidencial, a nota petista não relacionou que "relacionamentos informais" há entre governo e partido nem que "instâncias" partidárias foram manipuladas por "alguns". Da mesma forma, não citou quais são os "companheiros" que abusaram da confiança do partido, na certa os mesmos que "traíram" Lula, mas por ele não foram denunciados.

Explícita, mesmo, a nota do PT só foi ao cobrar do presidente da República novas respostas à crise e correções de rumo na economia. Trata-se evidentemente de uma impropriedade, pois se há algo de que a cúpula petista, a anterior ou a atual, não tem de que se envergonhar é da política econômica. É também um abuso de poder de que o presidente-tampão, Tarso Genro, não dispõe, pois tudo indica que quem manda no partido é o ex-chefe da Casa Civil deputado José Dirceu - não ele.