Título: Oposição responsável
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Fonte: O Estado de São Paulo, 19/08/2005, Notas e Informações, p. A3

Líderes da oposição ajudaram o governo a derrubar na Câmara dos Deputados o salário mínimo de R$ 384,29, valor aprovado na semana passada no Senado. Voltou a vigorar, portanto, o salário de R$ 300 proposto originalmente ao Congresso. Resolveu-se da maneira mais simples o que poderia ter sido um sério incômodo para o presidente. Ele teria sido forçado a recorrer ao veto e à edição de uma nova medida provisória, se tivesse prevalecido a decisão do Senado. Agindo contra seus companheiros que pretendiam manter os R$ 384,29, os líderes dos principais partidos da oposição afirmaram seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Para isso, participaram da manobra que permitiu votação simbólica e facilitou a vitória do Executivo.

"Não podemos permitir que a sociedade pague pela fragilidade do governo", disse o líder da minoria, deputado José Carlos Aleluia (PFL-BA). O líder do PSDB, Alberto Goldman (SP), já se havia manifestado, em várias entrevistas, favorável ao salário mínimo de R$ 300.

O valor aprovado pela maioria dos senadores teria custado ao governo federal gastos adicionais de cerca de R$ 16 bilhões, segundo cálculos divulgados na semana passada. As prefeituras teriam de gastar R$ 1,4 bilhão a mais do que seria necessário com o mínimo de R$ 300, de acordo com a Confederação Nacional dos Municípios.

O mínimo proposto pelo governo é reconhecidamente baixo e grande parte das empresas poderia pagar, e de fato já paga, um valor maior como piso salarial. O grande problema está no setor público, especialmente na Previdência e em grande número de prefeituras de regiões menos desenvolvidas.

"Na maior parte dos municípios do Norte e do Nordeste, 60% dos servidores recebem um salário mínimo", disse o presidente da confederação, Paulo Ziukolski. Muitos desses municípios têm baixa arrecadação e dependem de transferências para se manter.

Seus governos estão permanentemente arriscados a romper os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal para os gastos com salários. Um grande aumento do salário mínimo - 47,8%, se mantido o valor aprovado pelos senadores - seria um desastre financeiro para essas prefeituras.

No caso do governo federal, não haveria como acomodar gastos adicionais de R$ 16 bilhões sem um amplo remanejamento das contas e, provavelmente, sem o abandono da meta de superávit primário. Se essa meta fosse reduzida ou eliminada, o presidente seria aplaudido por uma facção de seus antigos companheiros, que se mantêm contrários à idéia de governo financeiramente responsável.

Mas o desarranjo das contas públicas quase certamente provocaria reações desfavoráveis no mercado financeiro, dificultando e encarecendo as operações do Tesouro. O custo para o governo, portanto, não ficaria limitado ao gasto adicional com o salário mínimo.

Com esse episódio, fica evidenciada, mais uma vez, a importância de uma profunda rediscussão sobre a política do salário mínimo e, de modo especial, sobre seu impacto na Previdência e nos demais setores da administração pública. O governo deveria ter aberto esse debate, de forma organizada, há muito tempo. Perdeu a oportunidade e não poderá fazê-lo enquanto a crise durar.

O risco financeiro criado pela votação no Senado mostra também outro fato muito importante: os líderes dos principais partidos de oposição continuam capazes de separar, com muita clareza, o interesse público permanente e o interesse político-partidário.

Se não fizessem, na prática, essa distinção, poderiam muito bem ter posto o governo em xeque, deixando prevalecer a decisão da maioria dos senadores. O governo poderia escapar, usando o poder de veto, mas teria de suportar um custo político e teria de combater em mais uma frente.

Não é essa oposição, portanto, que se pode acusar de oportunismo eleitoral, nem de manobras para aumentar as dificuldades de um governo já acuado pela crise. Isso não impedirá, provavelmente, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em sua peregrinação permanente pelo País, continue tentando sustentar que os problemas hoje enfrentados pelo governo nasceram fora do Palácio do Planalto.