Título: O presidente em seu labirinto
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2005, Nacional, p. A6

Não se pode pedir a Lula algo que ele simplesmente não tem para oferecer

A expectativa de que o presidente Luiz Inácio da Silva pudesse em seu pronunciamento tomar a dianteira e dar uma volta por cima na crise política repetiu o equívoco da expectativa de que Lula pudesse fazer, já não se diga um bom, mas qualquer governo. Dos vários personagens encarnados por ele ao longo dos anos, quem se apresentou ontem à Nação foi o Lula contrafeito, visivelmente desconfortável com as palavras postas à sua boca, a contenção ensaiada e a impossibilidade de entregar-se ao exercício de mandar tudo às favas: a CPI, Roberto Jefferson, Valdemar da Costa Neto, imprensa, oposição, PT, tudo e todos que atrapalham o show de homenagens e reverências há dois anos e sete meses traduzido como o ato de governar.

Era o Lula contido, mas perceptivelmente irritadiço, de quando é obrigado, pelas circunstâncias, a dar satisfações na visão dele indevidas e não pode reagir contra.

Foram rigorosas as avaliações segundo as quais o discurso foi inócuo, esteve aquém do tamanho da crise, insuficiente em relação ao esperado de um chefe de uma nação envolta em decepção e perplexidade.

Lula fez o possível, foi até onde podia. Não é justo que se peça a ele algo fora do seu alcance. Assim como as punições citadas por ele como fora de sua alçada, também estava além de suas possibilidades fazer qualquer coisa diferente do que fez ontem.

Repetiu as realizações de seu governo - queriam o quê, que as escondesse sendo tantas e tão substantivas? -, recitou por diversas vezes a palavra "indignação" - fiel ao estilo , declarou-se o "mais indignado" entre todos os brasileiros - e, na hora do ato de contrição, deixou a responsabilidade ao alheio.

Aconselhou "o PT" e o "governo" a pedirem desculpas ao povo brasileiro e pediu à sociedade, citando a oposição, que envide esforços para não deixar que a crise atinja a economia.

Ele mesmo, o presidente em si, Luiz Inácio, Lula, continuou não tenho nada a ver com isso. Entrou na história para associar-se à "indignação" geral, mas não considerou necessário pedir desculpas pelos transtornos.

Como de resto dispensou qualquer referência mais detalhada ao assunto. Falou da crise, mas não de seus motivos, das questões em jogo, das pessoas envolvidas, do esquema de pagamentos ilícitos adotado pelo PT logo após a vitória eleitoral, da compra da base parlamentar e de tudo o mais que compõe o espetáculo em cartaz.

Por intermédio dele sabemos que a crise é "grave", mas não no que consiste.

Da mesma forma ficaram relegados ao campo dos sujeitos indeterminados os traidores aos quais o presidente se referiu também genericamente. Disse: "Fui traído." Sim, mas por quem e por quê?

Há quem tenha considerado muito positivo só o fato de o presidente da República ter tocado ontem no assunto, dois meses depois do cadáver andar de um lado para o outro insepulto e sem terra na pá para providenciar-lhe o enterro.

Sem ter o que dizer nem poder dizer o que queria, Lula disse ontem o que seu advogado, o ministro da Justiça, lhe disse que podia.

Logo depois, seus aliados correram a informar que outros discursos sobre a crise virão. Ou seja, a despeito das versões oficiais, internamente também se considerou o efeito do pronunciamento pífio.

Os seguintes, a fim de provocar algum resultado eficaz, necessariamente precisarão ser mais consistentes. Deverão, no mínimo, fazer referências claras ao assunto em pauta.

Se for para o presidente falar mais do mesmo ou então acentuar toda a sua incapacidade de gerir a crise - principalmente porque tem medo dela -, talvez seja melhor Lula recolher-se em seu labirinto, deixar o tempo passar e torcer para que a Nação saiba entender.

O ilusionista

Duda Mendonça conseguiu eleger Lula criando um personagem que desapareceu depois da posse e aplicando uma eficiente fórmula de manipulação de emoções.

Fez o mesmo quinta-feira na CPI dos Correios e conseguiu induzir à ilusão boa parte da platéia.

A outra ficou com a impressão de que talvez não tenha sido Duda a vítima na negociação com Marcos Valério.

A mágica

Meses após o início do governo, durante um almoço na sede de sua agência em Brasília, Duda Mendonça ouvia calado a explanação do interlocutor (jornalista) a respeito da campanha do candidato que, eleito sob o lema da "mudança", como presidente adotara comportamento oposto.

"E quer mais mudança do que isso?", indagou em dado momento o publicitário, cujo compromisso, ele mesmo diz, é com o seu trabalho.

Quem desdenha

O prefeito José Serra posa de desinteressado diante das pesquisas que o mostram em boa posição para a disputa presidencial de 2006, mas destrincha todas em detalhes.

Da última, do Datafolha, aponta como foi significativo seu crescimento no Nordeste.