Título: Lula diz que foi traído, cobra desculpas do PT e não convence
Autor: Tânia Monteiro, Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/08/2005, Nacional, p. A4

No entanto, em nenhum momento do discurso, na abertura de reunião ministerial, presidente se desculpou pelas próprias atitudes

BRASÍLIA - Ao falar pela primeira vez diretamente das denúncias que cercam o Palácio do Planalto, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem ter sido vítima de traição e pediu desculpas em nome do PT e do governo. "Eu me sinto traído. Traído por práticas inaceitáveis das quais nunca tive conhecimento. Estou indignado pelas revelações que aparecem a cada dia e que chocam o País", disse ele, ao discursar na abertura da reunião com toda a equipe ministerial na Granja do Torto. O discurso não convenceu a oposição e foi considerado "insuficiente pelo presidente do PT, Tarso Genro. "Eu não tenho nenhuma vergonha de dizer ao povo brasileiro que nós temos que pedir desculpas", afirmou Lula. "O PT tem que pedir desculpas. O governo, onde errou, tem que pedir desculpas, porque o povo brasileiro, que tem esperança, que acredita no Brasil e que sonha com um Brasil com economia forte, com crescimento econômico e distribuição de renda, não pode, em momento algum, estar satisfeito com a situação que o nosso País está vivendo. Quero dizer a vocês: não percam a esperança." Lula começou o discurso pouco à vontade, lendo pausadamente o discurso e mantendo os olhos a maior parte do tempo no texto redigido por seus assessores. Só ao final, olhou diretamente para a câmera de televisão, que transmitia o pronunciamento ao vivo. Passou, então, a falar como que de improviso, embora segurasse um papel com orientações. Em nenhum momento, o presidente se desculpou por suas atitudes. Também não apontou os responsáveis pela traição de que se disse vítima.

"O PT foi criado justamente para fortalecer a ética na política e lutar ao lado do povo pobre e das camadas médias do nosso País", afirmou Lula. "Eu não mudei e, tenho certeza, a mesma indignação que sinto é compartilhada pela grande maioria de todos aqueles que nos acompanharam nessa trajetória." Aguardado com ansiedade por petistas e aliados que integram o governo, o discurso começou por volta de 12h30, três horas e meia depois do programado. Lula falou dez minutos e dividiu o pronunciamento em duas partes distintas. Na primeira metade, apontou feitos do governo, como o crescimento das exportações e a criação de empregos. Só depois falou sobre a crise.

"Estou consciente da gravidade da crise política. Ela compromete todo o sistema partidário brasileiro", disse. O presidente avaliou que as instituições do País são sólidas, mas defendeu, de maneira genérica, uma reforma eleitoral: "O Brasil precisa corrigir as distorções de seu sistema partidário eleitoral, fazendo urgentemente a tão sonhada reforma política". Ao encerrar o pronunciamento, afirmou: "Eu tenho certeza que posso contar com o povo brasileiro". Foi aplaudido de pé por todos os ministros.

A reunião ministerial estava marcada para às 9h da manhã, mas só começou perto do meio-dia. A maior parte dos ministros ficou aguardando a chegada do presidente que, logo cedo, tomou café da manhã com o porta-voz da Presidência, André Singer, com o secretário-geral, Luiz Dulci, e o seu chefe de Gabinete, Gilberto Carvalho, quando fez as primeiras avaliações das repercussões na imprensa do depoimento de Duda Mendonça e os reflexos da crise na sua popularidade.

Esses dois fatores reforçaram a tese defendida por alguns de que deveria aproveitar a fala na abertura da reunião ministerial para dar o seu recado indignado, em uma espécie de pronunciamento à Nação, sem necessitar de convocação de cadeia de rádio e TV.

Lula finalizou a decisão sobre quais seriam os temas do discurso e a forma como seria apresentado na manhã de ontem, nas conversas com os ministros do novo núcleo do governo, composto por Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, Jacques Wagner, da Coordenação Política, Dilma Rousseff, da Casa Civil, e Luiz Dulci, da Secretaria-Geral. Antonio Palocci, da Fazenda, chegou quase no fim da reunião, mas participou dos acertos finais. Na primeira etapa da reunião, antes do almoço, foi feita avaliação da crise política. Além do discurso do presidente, falaram Dilma, Jacques Wagner, Dulci e Bastos. O ministro da Justiça fez um balanço detalhado das ações da Polícia Federal e Lula, no discurso, salientou que, grande parte do que foi descoberto veio justamente das investigações da PF.

Na segunda etapa, após o almoço, foram discutidos os projetos prioritários do governo para os 16 meses restantes de administração, definindo as propostas que devem ser aceleradas. Lula pediu aos ministros que destacassem obras que podem ser apresentadas à Nação.